Nancy Segadilha

Todos os dias nós vencemos dificuldades e ultrapassamos limites. Isso acontece com todos. Porém, às vezes, a vida nos surpreende e nos dá novas oportunidades de testarmos nossa força e a nossa coragem de viver e vencer. Passei parte da minha vida acreditando nesta superação. Eu estava no último período da faculdade de direito, com 21 anos. Sonhei alguns dias antes que sofria um acidente da estrada que liga Manaus ao município de Presidente Figueiredo. Eu até evitei pegar a estrada, mas não consegui evitar o acidente. Eu estava no banco de trás de um carro, e como a maioria das pessoas, não estava usando o cinto de segurança. O veículo em que eu estava não colidiu com outro. O simples desvio de um buraco foi o suficiente para que o meu pescoço fizesse movimentos bruscos que imediatamente paralisaram todos os meus movimentos.

Fui surpreendida com a avaliação de alguns médicos que afirmaram que eu só teria 5% de chance de sobreviver. Colocaram uma placa de aço na minha cervical ao invés de uma placa de titânio e temiam que eu não sobrevivesse a uma transferência em UTI aérea de Manaus para São Paulo. Apenas um médico,  Dr. Mendonça,  decidiu correr o risco e autorizou, mesmo sendo criticado por todos os colegas, que eu fosse transferida para o hospital Beneficência Portuguesa, na cidade de São Paulo – SP.

Os acontecimentos seguintes me fizeram crer cada vez mais que eu respiro superação. Sofri cinco paradas cardíacas, fiquei sete meses em uma UTI respirando através de aparelhos, sem falar nenhuma palavra. Só voltei a falar após uma cirurgia delicada de traqueoplastia por conta de uma estenose, estreitamento de um canal. Durante todo este tempo não movia nenhuma parte do meu corpo além dos olhos. Mas em cada momento eu contava com o apoio incondicional da minha família, e pouquíssimos amigos, e diferente de muitas pessoas que perdem os movimentos, naquela época, meu pai, que ainda estava vivo, foi incansável para que eu tivesse toda a estrutura necessária para ter ótimos tratamentos. Minha irmã, Helen deixou Manaus com uma mala para passar apenas uma semana, e desde então, se tornou meu braço direito e esquerdo, meu apoio, meu incentivo e minha ajudadora, meu anjo.

 Superei as cirurgias, as cinco paradas cardíacas, o tratamento desumano de uma enfermeira que todos os dias puxava meu cabelo e me xingava durante os banhos quando estive em coma induzido, e superei o afastamentos dos antigos amigos.

Graças a Deus eu tive condições de morar em Brasília e frequentar a Rede Sarah de Hospitais de reabilitação onde, com muita fisioterapia, recuperei alguns movimentos concomitantemente com o tratamento em SP. Depois que meu pai faleceu (minha inspiração, meu ídolo, com quem aprendi a amar o direito) voltei a morar em Manaus, retornei para a faculdade, conclui o curso de direito e fui aprovada no exame da OAB em uma prova oral na qual não tive o direito de dilação do tempo para a conclusão.  Junto com minha família e com os novos amigos enfrentamos mais desafios, entre eles: o preconceito de alguns colegas de classe durante a faculdade, as dificuldades de frequentar lugares públicos e estabelecimentos comerciais que não são acessíveis, e o desrespeito diário com os direitos da Pessoa com deficiência. Por isso, passei a atuar na Comissão em Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Amazonas. Mas reforço que, não é porque sou advogada e presidente da comissão que as dificuldades diminuem ou que o preconceito acaba. Infelizmente, ocasionalmente ele vem até dos próprios colegas de profissão.

Foram muitas superações. Olhar para trás e ver o quanto foi superado é como um refrigério e estímulo que me faz acreditar que juntos podemos conquistar muito mais e podemos contribuir para que outras Pessoas com deficiência tenham a qualidade de vida que merecem e precisam ter. Sonho com um grande centro de reabilitação para as PCDs do Amazonas, sonho com prédios públicos e privados acessíveis, com empresas que respeitem a cota de funcionários PCDs e que os vejam como profissionais com potencial para contribuir com o resultado.

Por tudo isso, eu afirmo que sou PCD, sou mulher, sou advogada, sou profissional e sou alguém que respira vitória e superação, porque minha vontade de ser feliz sempre foi maior que os desafios que a vida trouxe para me fazer mais forte.