Competição em Aulas de Educação Física: Como Estimular seu Aluno?

A competição em aulas de educação física é um tema bem intrínseco, principalmente ao levar em conta o peso que os esportes têm dentro desta disciplina.

Na escola, a educação física trabalha muito comumente com as nossas conhecidas modalidades esportivas (futsal, basquete, vôlei e handebol), onde a competição é bem visível. Porém não só com eles, mas em vários outros conteúdos trabalhados ela também aparece.

Gosto de definir a competição em aula como um fenômeno natural e incoercível presente no dia-a-dia do desenvolvimento geral do ser humano.

Para aqueles que ainda não leram, indico a obra “Homo Ludens” de Johan Huizinga, que inclusive está disponível gratuitamente em formato PDF no próprio google, sendo uma obra riquíssima sobre a natureza do jogo, do lúdico e inclusive da competição.

Mas o ponto que realmente quero debater nesse artigo não é a parte conceitual de “jogar” ou “competir” e sim discutir um pouco sobre usar ou não a competição em aula e como poderíamos fazer isso. Então analisemos a seguir!

Competir ou Não Competir: Eis a Questão

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Durante a minha graduação, tive contato com colegas de diferentes cidades e diferentes personalidades, as quais sempre observei com certa atenção.

Alguns eram extremamente lúdicos em suas falas, trabalhos e práticas, sempre buscando justificar uma ausência de disputa e desempenho, valorizando cooperação, participação de todos, entrosamento e mais alguns valores.

Havia também um grupo extremamente competitivo, onde cada atividade era uma disputa de vida ou morte, não aceitavam perder nem no cuspe a distância e eram extremamente fechados ao lúdico, inclusive tentando diminuir sua importância.

Ainda havia um terceiro grupo, moderado e que “bebiam das duas águas”, porém sem nenhum extremismo, era apenas o equilíbrio entre as práticas.

Estas observações me fizeram enxergar a influência que os colegas haviam recebido durante a vida anterior a universidade, entendendo que eles vinham de métodos de trabalho com essas convicções.

Ou seja, na escola tiveram professores ou extremamente tecnicistas e competitivos ou professores recreadores e muito lúdicos, sendo que o contato limitado com um único método de aulas, os fez entender a educação física sendo do jeito que lhes foi mostrada durante a vida escolar.

A competição em aulas de educação física é algo simples e complexo ao mesmo tempo, principalmente na escola, onde temos o objetivo de auxiliar no desenvolvimento global do aluno e introduzir o gosto pelo movimento, o que as vezes é bem difícil.

Se minha aula for muito competitiva, trarei aos alunos a crença em um valor em que só os mais fortes vencerão e acontecerá, naturalmente, uma exclusão dos menos aptos, quase um processo de seleção natural dentro das aulas.

Do mesmo modo, se minha aula for muito focada a atividades lúdicas, evitado a competição, posso torná-la muito monótona, perdendo o interesse do aluno.

Veja bem, não estou dizendo que o lúdico é oposto a competição, pois existem muitas atividades lúdicas competitivas, estou tentando me referir a atividades não competitivas, sem nenhum tipo de disputa, sequer consigo mesmo, praticamente fazer por fazer, nada mais.

Sim competir não é apenas disputar com o outro, competir também é superar a si mesmo, ser melhor hoje do que foi ontem, isto é, crescer.

Seria simples se fizéssemos uma análise anulativa do menos prejudicial, isto é, escrevermos duas listas com as desvantagens de cada visão e selecionarmos a mais prejudicial, mas é importante que se perceba que nada é tão simples, existem várias variáveis, e veremos algumas adiante.

A Competição em Aula.
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Vamos lá, para analisarmos um pouco o lado possivelmente prejudicial da competição, imaginemos a seguinte situação: em uma certa escola, um professor prepara suas aulas em uma ótica extremamente competitiva. Isto é, ele usa métodos técnicos desde o 5º ano, visando a preparação de equipes para competições escolares, tanto internas quanto externas a sua escola.

Durante suas aulas, com certeza, veremos os efeitos destas práticas em seus alunos, uma das primeiras é a valorização do resultado, que vai trazer aos alunos uma sensação de necessidade de vencer a qualquer custo, pois é o único modo de serem reconhecidos na classe.

A vitória a qualquer custo, faz com que vários limites sejam transpassados, pois pode trazer consigo uma agressividade, tanto com o adversário, quanto com o companheiro, a desrespeito com preceitos éticos e morais, ao usar do jogo sujo, entre outros.

Logo, para buscar a vitória, os próprios alunos vão perceber que nem todos os colegas são iguais, alguns são muito habilidosos, enquanto outros nem tanto e, isto logo vai se refletir durante as aulas, em forma de cobranças por erros, ofensas, e até exclusão das atividades, pois, forma-se a elite, dos alunos mais aptos e sobram os menos aptos, sem espaço, sem vontade de participar da aula.

Efeitos da Competição.
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Além dos dois efeitos mais visíveis citados anteriormente, muitos outros podem surgir, sendo um deles e que pode ser bem grave é o bullying, que pode ter sérios efeitos na formação psicológica, social, afetiva e cognitiva da criança e é muito comum quando esta divisão por habilidades acontece.

Outro efeito normalmente percebido e que praticamente culmina no fracasso do trabalho do professor é a rejeição dos alunos menos aptos pelas atividades físicas e esportivas, também muito séria para a formação global do aluno, sendo o oposto de um dos principais objetivos do professor, que é tornar seus alunos, adultos ativos.

Lutamos e somos cobrados para que nossos alunos se tornem adultos fisicamente ativos, como prevenção ao sedentarismo e inúmeras outras doenças e no momento que um dos efeitos de nossa aula quebra praticamente por completo com este objetivo, percebemos que esta metodologia possui uma grave falha e necessita ser revista.

Ressalvo que não temos obrigação de transformar nossos alunos em atletas, porém, é nosso papel despertar neles o gosto pelo movimento, o que é bem difícil quando ele não gosta da aula pelas experiências negativas que vivencia.

Então, não é Certo Competir?

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Será que a simples ação de não usar a competição nos livra desses problemas? Creio que não seja tão simples.

Como disse lá no início do artigo, a competição é um fenômeno natural e incoercível, isto é, ela faz parte da natureza do homem e vai acontecer com ou sem intencionalidade.

Por exemplo, se deixarmos duas crianças pequenas brincando e observarmos a distância, sem interferência, provavelmente vai acontecer alguma manifestação competitiva durante a brincadeira.

O mesmo fenômeno ocorre entre irmãos que disputam atenção dos pais, ou o poder brincar com um mesmo brinquedo. Em suma é natural.

Um segundo ponto é uma observação social. Na atualidade, vivemos sim em uma sociedade competitiva e, mesmo que alguns autores refutem este fato como justificativa para promover competição na infância, é um fato facilmente observável.

Sendo que nossa sociedade está nos expondo a competição constante por um emprego, por uma promoção, no trânsito, nas relações sociais, etc., e sendo papel do professor promover uma formação global ao aluno, em todos os âmbitos possíveis, devemos sim competir nas aulas de educação física.

Particularmente ainda não encontrei melhor maneira de trabalhar o conceito vitória x derrota do que com atividades lúdico-competitivas ou esportes, onde o aluno vai vivenciar tais experiências e, tendo o professor o papel de orientar o comportamento em cada uma das situações.

Ganhar e perder sozinho, ganhar e perder em grupo, são conceitos necessários e vão preparar o aluno para as conquistas e fracassos da vida adulta, além do esporte, no convívio social como um todo.

Os esportes, como disse, são ferramentas muito favoráveis para a vivência da vitória e da derrota, porém, alguns o condenam pela “competição excessiva”.

Mas creio que não seja o esporte tão competitivo assim, concordo com Freire (2008), que diz ser a competição, no esporte, mais visível e não mais intensa, ou seja, nos esportes é muito mais fácil de visualizar o ato de competir do que em outros ambientes da vida diária.

Então, competimos sim, porém, com atenção à metodologia de aula empregada, e com os efeitos que estamos provocando nos alunos, pois eles são o objetivo da aula, eles precisam dos estímulos favoráveis para o seu pleno desenvolvimento.

O Lúdico Frente a Competição

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Caros amigos da educação física, creio que o que tratarei aqui é “chover no molhado”, mas creio que é importante para a contextualização geral do assunto.

Em primeiro lugar gostaria de discutir o lúdico frente a competição, ou melhor, gostaria de falar deles lado a lado, pois eles não são opostos e nem eliminam um ao outro.

Pelo contrário, considero ambos complementares e ferramentas importantíssimas dentro do trabalho da educação física escolar. Em segundo lugar, lembro que o lúdico é tão natural quanto a competição no comportamento humano como um todo, principalmente na criança, mas não só.

Então, se a criança é um ser lúdico, necessita dele para seu desenvolvimento. É importante usar de seus benefícios sempre que possível, tanto usando de brincadeiras, jogos ou esportes formais, podendo tornar a aula muito mais leve e interessante do que um exercício tecnicista, pois traz um objetivo, uma motivação, livrando o indivíduo do fazer apenas por fazer.

Deve-se entender a importância do lúdico para o desenvolvimento de competição dentro da aula de educação física, ou seja, o lúdico funciona como um moderador dos efeitos competitivos, sendo possível através dele, proporcionar “competição saudável”. Claro que só usando do lúdico também não eliminamos os potenciais maléficos do competir, o lúdico auxilia no “beneficiamento” dos efeitos da competição, mas os fatores que entendo como determinantes são a postura e ação docente do professor.

Professor como Intermediador da Competição

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A aula de educação física vai acontecer conforme for pensada e passada para os alunos pelo professor, então, recaem sobre ele todos os méritos e todos os fracassos.

O professor é o responsável pelo comportamento que irá valorizar em seu aluno, ou seja, se o professor incentivar a vitória a qualquer custo, criticar erros e falhas, supervalorizar os alunos mais habilidosos, cobrar desempenho, transformar suas aulas em treinos e abandonar os reais objetivos da educação física, vai tornar seus alunos competidores frios, que irão gerar e reproduzir todos aqueles comportamentos que listamos anteriormente como prejudiciais ao desenvolvimento da personalidade do aluno.

Mas se o professor entender como deve ocorrer uma competição, sem desvalorizar o aluno, evitando elitização de aulas, menor foco no vencer e maior foco no competir ou completar as tarefas, trabalhando valores coletivos sem cobrar vitória e exaltar derrota, mantendo uma normalidade e aceitação de qualquer uma destas posições, ele terá um aluno que entende a competição não como uma guerra, mas como um teste de habilidades.

Ou seja, a competição não será vista como vida ou morte, apenas mais uma experiência, a qual pesará para que este lide equilibradamente com a vitória e com a derrota.

Podemos ver o quanto o professor é importante e o quanto a personalidade do aluno solidifica-se ao vermos como eles se comportam por exemplo em uma competição escolar.

Dois alunos participam de uma mesma competição, um deles é um mau-competidor, agressivo, maldoso e outro por sua vez, é um bom competidor, motivador, cooperativo.

Mesmo que ambos participem de uma mesma partida, cada um deles vai agregar experiências que reforcem seus conceitos de competição, o bom competidor vai agregar valores de cooperação e apoio aos colegas, de competir com os companheiros, e o mau competidor vai agregar aquilo que estiver dentro do conceito dele, agressividade, competir contra a outra equipe.

Conclusão

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No fim, entendo que a competição é uma pequena fagulha, que pode despertar a qualquer momento, e em qualquer situação, onde atuará como um gatilho para explorar o próprio potencial ou o potencial de um grupo de pessoas que buscarão vencer algum tipo de desafio, buscar um objetivo comum ou até mesmo, superar um estado ou resultado próprio, melhorando, superando a si mesmo, elevando capacidades.

Já como papel do competir, vejo como uma necessidade, uma motivação natural, onde devo concorrer e superar outro ou a mim mesmo, porém não só isso, também é um meio de mudar, melhorar ou sobreviver.

Por fim, é mais que observável que a competição faz parte da sociedade contemporânea, sendo de fundamental importância para o aluno, saber conviver com vitórias e derrotas.

Sendo muito fácil e naturalmente presente este conceito dentro dos esportes e da educação física, fica ao total alcance do professor de educação física contribuir neste sentido.

Enfim, é o professor de educação física que mais contribui para a conceituação e vivência de vitória e derrota.

por Eduardo Betin Gonçalves

Fonte: BlogEducaçãoFisica

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