Colecionismo, brincadeira ou patologia psiquiátrica? A carência afetiva por trás dos bebês reborn

Por Dra.

Assim como eu, você também deve ter se sentido ¨bombardeada¨ nas redes socias, nas duas últimas semanas por: mulheres cuidando de bebês extremamente realistas como se fossem crianças reais, comprando roupinhas, fazendo mamadeiras e levando para passeios no carrinho. E talvez, como muitos, você tenha se perguntado: “Isso é normal?

Até onde vai o limite entre hobby e problema emocional?

Esse tema explodiu nas redes, dividindo opiniões entre quem defende como “terapia alternativa” e quem aponta como “sintoma de transtorno”. Como médica, neurocientista e alguém com muitos anos de experiência em saúde mental, preciso trazer algumas reflexões importantes sobre esse fenômeno – sem julgamentos, mas com responsabilidade científica.

O fenômeno dos bebês reborn: além da aparência

Os bebês reborn representam o ápice da arte de confecção de bonecas. Com peso, temperatura e textura similares aos de recém-nascidos reais, essas criações despertam respostas neurobiológicas genuínas em muitas pessoas. O cérebro humano, programado para reagir a estímulos infantis através do que os etólogos chamam de “esquema do bebê” (Kindchenschema), pode ser “enganado” por essas reproduções quase perfeitas.

Do ponto de vista neuropsicológico, a interação com esses objetos pode ativar os mesmos circuitos neurais envolvidos no cuidado parental real, incluindo a liberação de ocitocina – o hormônio do ¨apego¨. Esta resposta não é necessariamente patológica; pelo contrário, demonstra o funcionamento normal de nossos sistemas evolutivos de cuidado.

A questão central não é a atração pelos bebês reborn em si, mas sim a função que desempenham na vida psíquica/emocional de cada indivíduo.

Quando o normal se torna preocupante?

Precisamos distinguir entre diferentes perfis de usuários:

A colecionadora tradicional vê nas bonecas obras de arte, aprecia a técnica e dedica-se ao hobby como qualquer outro colecionismo. Não há aqui indicativo de patologia.

O utilizador terapêutico pode incluir desde idosos em instituições geriátricas – onde os bebês reborn têm mostrado benefícios no tratamento de quadros demenciais – até pessoas em processo de luto perinatal, que encontram conforto temporário nessas representações.

O caso preocupante surge quando há uma desconexão significativa com a realidade, substituição de relacionamentos humanos reais ou quando o objeto se torna o centro exclusivo da vida emocional da pessoa.

A carência afetiva como pano de fundo

Muitas das pessoas que desenvolvem vínculos intensos com bebês reborn carregam histórias de perdas significativas: morte de filhos, infertilidade, síndrome do ninho vazio, ou traumas de infância relacionados à maternidade ou paternidade.

Quando essa carência se manifesta através de uma relação intensa com objetos inanimados – neste caso, bebês reborn –, pode indicar o que chamamos de “transferência afetiva patológica”. A pessoa projeta no objeto necessidades emocionais que não consegue suprir através de relacionamentos humanos reais.

É importante compreender que a carência afetiva não é um diagnóstico psiquiátrico, mas sim um estado emocional que pode predispor ao desenvolvimento de vínculos compensatórios. Quando esses vínculos interferem significativamente no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida, então sim, podemos estar diante de uma situação que requer atenção clínica.

O problema não está no objeto em si, mas no que ele representa como mecanismo de fuga da realidade emocional. Quando utilizamos qualquer objeto – seja um bebê reborn, compras compulsivas, relacionamentos tóxicos ou vícios – para evitar processar nossas feridas emocionais, estamos apenas adiando o verdadeiro processo de cura.

Como identificar quando essa relação se torna problemática?

Alguns sinais de alerta:

  1. Isolamento social progressivo: Preferência pela companhia da boneca em detrimento de relacionamentos humanos reais.
  2. Gastos desproporcionais: Investir quantias significativas em roupas, acessórios e cuidados com a boneca enquanto negligencia necessidades pessoais ou familiares.
  3. Comportamentos de cuidado excessivos: Rotinas rígidas de alimentação, sono e cuidados como se fosse um bebê real, incluindo ansiedade quando separada do objeto.
  4. Perda da crítica de realidade: Quando existe grande dificuldade em reconhecer ou aceitar que se trata de um objeto, especialmente quando questionada por familiares.
  5. Impacto funcional: Quando os cuidados com a boneca interferem em responsabilidades profissionais, familiares ou de autocuidado.

 

Abordagem terapêutica

É fundamental compreender que mulheres que desenvolvem essa relação emocional intensa não estão “loucas” ou “fora da realidade” por escolha. O bebê reborn oferece algo que nossa sociedade frequentemente nega às mulheres: amor incondicional, sem julgamentos, críticas ou abandonos. Para quem viveu relacionamentos abusivos, negligência emocional ou perdas traumáticas, essa “segurança afetiva” pode ser irresistível.

Mas aqui está o ponto crucial: embora compreensível, essa solução é temporária e não promove crescimento emocional real. Na verdade, pode aprofundar o isolamento e dificultar o desenvolvimento de habilidades para relacionamentos saudáveis.

Entenda que nosso cérebro é programado para vínculos e conexões. Quando esses vínculos são feridos repetidamente, desenvolvemos estratégias de autoproteção – algumas saudáveis, outras nem tanto. O apego a objetos inanimados pode ser uma dessas estratégias que, inicialmente, alivia a dor, mas a longo prazo limita nossa capacidade de conexão real.

O tratamento para casos patológicos não envolve simplesmente “tirar a boneca” da pessoa – isso seria cruel e contraproducente. O trabalho terapêutico deve focar na compreensão das necessidades emocionais por trás do comportamento, no processamento de traumas não resolvidos e no desenvolvimento gradual de relacionamentos humanos saudáveis.

Técnicas como terapia cognitivo-comportamental associada a avaliação médica especializada e uso de medicação para transtornos de ansiedade, depressão ou até transtorno delirante, podem ser fundamentais no processo de recuperação.

Além do preconceito

Os bebês reborn nos confrontam com questões fundamentais sobre afeto, perda e necessidade humana de cuidar e ser cuidado. Antes de apenas rotularmos como patológico, devemos compreender a complexidade por trás deste fenômeno.

Nem todo apego a objetos representa patologia. Nem toda carência afetiva precisa ser medicalizada. O que precisamos é de um olhar mais refinado, capaz de distinguir entre adaptação criativa e desadaptação patológica.

Como sociedade, talvez devêssemos nos questionar: o que há em nossa estrutura social contemporânea que deixa tantas pessoas com vazios afetivos tão profundos? Os bebês reborn podem ser apenas um ¨sintoma¨ de um problema maior – uma consequência da epidemia da solidão e da profunda e crescente desconexão humana.

Se você se identificou com alguns aspectos deste artigo, seja por experiência própria ou de alguém próximo, saiba que não há julgamento aqui. A carência afetiva é uma ferida profundamente humana e é natural todos nós buscarmos formas de preenchê-la.

O importante é reconhecer quando nossas estratégias estão nos limitando em vez de estar nos libertando.

Na próxima semana, continuarei abordando o tema das relações afetivas, focando em como reconhecer e superar padrões de dependência emocional. Porque entender nossas carências é o primeiro passo para transformá-las em pontes para relacionamentos mais saudáveis e autênticos.

Lembre-se:

  • Pedir ajuda não é fraqueza, é um ato de coragem!
  • Saúde Mental não é luxo, é alicerce!
  • Você merece relacionamentos reais, amor genuíno e cura emocional verdadeira.

Gostou do leu até aqui? Então me siga nas redes sociais – @draanapaulaamanajas e compartilha esse texto com quem precisa entender que #saudementalécoisaséria 🙂

Com carinho e cuidado, Dra. Ana Paula Amanajás

 

 

 

 

 



 

 

Colecionismo, brincadeira ou patologia psiquiátrica?

A CARÊNCIA AFETIVA POR TRÁS DOS BEBÊS REBORN 

Por Dra. Ana Paula Amanajás

Assim como eu, você também deve ter se sentido ¨bombardeada¨ nas redes socias, nas duas últimas semanas, por: mulheres cuidando de bebês extremamente realistas como se fossem crianças reais, comprando roupinhas, fazendo mamadeiras, levando para passeios no carrinho. E talvez, como muitos, você tenha se perguntado: “Isso é normal?

Até onde vai o limite entre hobby e problema emocional?”.

Esse tema explodiu nas redes, dividindo opiniões entre quem defende como “terapia alternativa” e quem aponta como “sintoma de transtorno”. Como médica, neurocientista e alguém com muitos anos de experiência em saúde mental, preciso trazer algumas reflexões importantes sobre esse fenômeno – sem julgamentos, mas com responsabilidade científica.

O fenômeno dos bebês reborn: além da aparência

Os bebês reborn representam o ápice da arte de confecção de bonecas. Com peso, temperatura e textura similares aos de recém-nascidos reais, essas criações despertam respostas neurobiológicas genuínas em muitas pessoas. O cérebro humano, programado para reagir a estímulos infantis através do que os etólogos chamam de “esquema do bebê” (Kindchenschema), pode ser “enganado” por essas reproduções quase perfeitas.

Do ponto de vista neuropsicológico, a interação com esses objetos pode ativar os mesmos circuitos neurais envolvidos no cuidado parental real, incluindo a liberação de ocitocina – o hormônio do ¨apego¨. Esta resposta não é necessariamente patológica; pelo contrário, demonstra o funcionamento normal de nossos sistemas evolutivos de cuidado.

A questão central não é a atração pelos bebês reborn em si, mas sim a função que desempenham na vida psíquica/emocional de cada indivíduo.

Quando o normal se torna preocupante?

 Precisamos distinguir entre diferentes perfis de usuários:

A colecionadora tradicional vê nas bonecas obras de arte, aprecia a técnica e dedica-se ao hobby como qualquer outro colecionismo. Não há aqui indicativo de patologia.

O utilizador terapêutico pode incluir desde idosos em instituições geriátricas – onde os bebês reborn têm mostrado benefícios no tratamento de quadros demenciais – até pessoas em processo de luto perinatal, que encontram conforto temporário nessas representações.

O caso preocupante surge quando há uma desconexão significativa com a realidade, substituição de relacionamentos humanos reais ou quando o objeto se torna o centro exclusivo da vida emocional da pessoa.

A carência afetiva como pano de fundo

Muitas das pessoas que desenvolvem vínculos intensos com bebês reborn carregam histórias de perdas significativas: morte de filhos, infertilidade, síndrome do ninho vazio, ou traumas de infância relacionados à maternidade/paternidade.

Quando essa carência se manifesta através de uma relação intensa com objetos inanimados – neste caso, bebês reborn –, pode indicar o que chamamos de “transferência afetiva patológica”. A pessoa projeta no objeto necessidades emocionais que não consegue suprir através de relacionamentos humanos reais.

É importante compreender que a carência afetiva não é um diagnóstico psiquiátrico, mas sim um estado emocional que pode predispor ao desenvolvimento de vínculos compensatórios. Quando esses vínculos interferem significativamente no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida, então sim, podemos estar diante de uma situação que requer atenção clínica.

Uma questão particularmente preocupante que tenho observado é como algumas mulheres utilizam esses bebês para preencher vazios relacionados à maternidade frustrada. Seja por infertilidade, perdas gestacionais, síndrome do ninho vazio ou até mesmo arrependimento por não ter tido filhos, o bebê reborn pode se tornar uma forma de “maternidade substituta” e isso pode sim se tornar algo bastante patológico.

O problema não está no objeto em si, mas no que ele representa como mecanismo de fuga da realidade emocional. Quando utilizamos qualquer objeto – seja um bebê reborn, compras compulsivas, relacionamentos tóxicos ou vícios – para evitar processar nossas feridas emocionais, estamos apenas adiando o verdadeiro processo de cura.

Como identificar quando essa relação se torna problemática?

Alguns sinais de alerta:

  1. Isolamento social progressivo: Preferência pela companhia da boneca em detrimento de relacionamentos humanos reais.
  2. Gastos desproporcionais: Investir quantias significativas em roupas, acessórios e cuidados com a boneca enquanto negligencia necessidades pessoais ou familiares.
  3. Comportamentos de cuidado excessivos: Rotinas rígidas de alimentação, sono e cuidados como se fosse um bebê real, incluindo ansiedade quando separada do objeto.
  4. Perda da crítica de realidade: Quando existe grande dificuldade em reconhecer ou aceitar que se trata de um objeto, especialmente quando questionada por familiares.
  5. Impacto funcional: Quando os cuidados com a boneca interferem em responsabilidades profissionais, familiares ou autocuidado.

Abordagem terapêutica: compreensão antes do julgamento

É fundamental compreender que mulheres que desenvolvem essa relação emocional intensa não estão “loucas” ou “fora da realidade” por escolha. O bebê reborn oferece algo que nossa sociedade frequentemente nega às mulheres: amor incondicional, sem julgamentos, críticas ou abandonos. Para quem viveu relacionamentos abusivos, negligência emocional ou perdas traumáticas, essa “segurança afetiva” pode ser irresistível.

Mas aqui está o ponto crucial: embora compreensível, essa solução é temporária e não promove crescimento emocional real. Na verdade, pode aprofundar o isolamento e dificultar o desenvolvimento de habilidades para relacionamentos saudáveis.

Como médica e neurocientista, sei que nosso cérebro é programado para vínculos e conexões. Quando esses vínculos são feridos repetidamente, desenvolvemos estratégias de proteção – algumas saudáveis, outras nem tanto. O apego a objetos inanimados pode ser uma dessas estratégias protetivas que, inicialmente, alivia a dor, mas a longo prazo limita nossa capacidade de conexão real.

O tratamento para casos patológicos não envolve simplesmente “tirar a boneca” da pessoa – isso seria cruel e contraproducente. O trabalho terapêutico deve focar na compreensão das necessidades emocionais por trás do comportamento, no processamento de traumas não resolvidos e no desenvolvimento gradual de relacionamentos humanos saudáveis.

Técnicas como terapia cognitivo-comportamental associada a avaliação médica especializada e uso de medicação para transtornos de ansiedade, depressão ou até transtorno delirante, podem ser fundamentais no processo de recuperação.

Além do preconceito

Os bebês reborn nos confrontam com questões fundamentais sobre afeto, perda e necessidade humana de cuidar e ser cuidado. Antes de apenas rotularmos como patológico, devemos compreender a complexidade por trás deste fenômeno.

Nem todo apego a objetos representa patologia. Nem toda carência afetiva precisa ser medicalizada. O que precisamos é de um olhar mais refinado, capaz de distinguir entre adaptação criativa e desadaptação patológica.

Como sociedade, talvez devêssemos nos questionar: o que há em nossa estrutura social contemporânea que deixa tantas pessoas com vazios afetivos tão profundos? Os bebês reborn podem ser apenas um ¨sintoma¨ de um problema maior – uma consequência da epidemia da solidão e profunda e a crescente desconexão humana.

Se você se identificou com alguns aspectos deste artigo, seja por experiência própria ou de alguém próximo, saiba que não há julgamento aqui. A carência afetiva é uma ferida profundamente humana e é natural todos nós buscarmos formas de preenchê-la.

O importante é reconhecer quando nossas estratégias estão nos limitando em vez de estar nos libertando.

Na próxima semana, continuarei abordando o tema das relações afetivas, focando em como reconhecer e superar padrões de dependência emocional. Porque entender nossas carências é o primeiro passo para transformá-las em pontes para relacionamentos mais saudáveis e autênticos.

Lembre-se:

  • Pedir ajuda não é fraqueza, é um ato de coragem!
  • Saúde Mental não é luxo, é alicerce!
  • Você merece relacionamentos reais, amor genuíno e cura emocional verdadeira.

E eu estou aqui, disposta a te guiar nessa jornada de autoconhecimento, cura emocional e superação. Você não está mais sozinha.

Gostou do que leu até aqui? Então me siga nas redes sociais @draanapaulaamanajas e compartilha esse texto com quem precisa entender que #saudementalécoisaséria 🙂

Com carinho e cuidado, Dra. Ana Paula Amanajás