Por Leyla Yurtsever, advogada, articulista e professora.
Um artigo publicado no New York Times tem o sugestivo título “Para se apaixonar por qualquer pessoa, siga essas instruções”. Nele, a autora Mandy Len Catron, faz referência ao estudo do psicólogo Arthur Aron de que é possível encontrar o amor respondendo a 36 perguntas. É o afeto expresso em fórmulas e cálculos estáticos. Pobre Drumond com seus versos. Ele certamente não dominava o Excel.
A virtualização das relações expõe uma realidade de ficção científica. Nada parece hostil a grande rede. Seu canto de sereia seduz o mais devoto dos indivíduos. Os encantos comerciais são muitos: processos seletivos, informações, filmes, sexo, compras e relacionamentos afetivos são os anzóis que alcançam o invisível e o íntimo.
Mesmo o sentimento é ofertado em rede. O desejo do corpo, a proximidade do toque, a sensação da presença e a recíproca do sexo são substituídos por aparatos tecnológicos onde os sentimentos são filtrados por máquinas, softwares, fios, cabos e bits. É o afeto sendo mediado e comprimido por interações invisíveis entre máquinas e pessoas, sem qualquer estranheza ou questionamento.
Ocorre que relações de sentimento, ainda que virtuais, não estão isentas de reflexos jurídicos. Meios tecnológicos podem ser uma armadilha, tanto para quem deseja quanto para quem é objeto deste desejo. Golpes financeiros, aliciamentos, estelionatos sentimentais e outras frustrações ocorrem de forma frequente no ambiente virtual. Uma multidão de solitários navega no ambiente virtual a procura de companhia, expondo suas fragilidades emocionais, suas expectativas, seus desejos e angustias e, tornando-se presa fácil de aproveitadores. Mas, o ambiente virtual não é um campo sem lei nem o afeto um valor sem importância.
O afeto é um bem jurídico tutelado no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não citado diretamente, conforme se percebe na proteção da dignidade da pessoa humana (artigo 5º, Inc. III/Constituição Federal). Atrela-se a dignidade o direito de ser respeitado como pessoa, sem prejuízo de sua existência, vida, corpo e saúde. Ou seja, existir de forma plena exige uma proteção moral, social e psicológica. Na lógica psicológica, o afeto é base para a formação da autoestima e, portanto, da saúde mental.
O afeto assim, não é um simples ato de vontade expresso em papel. Ele é inrasgável. Não obstante, as muitas vitrines vulgares que virtualizaram as relações apenas revelaram a perda de algumas necessidades. A primeira delas é a da proximidade. Nos tornamos mais distantes das pessoas, independente da distância geográfica, em nome de uma afetividade virtual. Mas nada substitui a alegria da proximidade, a troca de olhares, a gentileza das mãos e a presença extasiante de um corpo. Centenas de contatos virtuais não preenchem a cadeira vazia na mesa do jantar.
Em geral, redes sociais e alguns sites tem como slogan a promessa de reunir pessoas com as mesmas afinidades. Uma meia verdade. É preciso entender que preciso do outro, do diferente e do inusitado que complementam as minhas faltas e ausências. Estar diante do outro possibilita desviar meu olhar de narciso para alguém completamente diferente de mim, mas que ainda assim me integra.
Somente pela intervenção do outro é que me torno pessoa.
A promessa de suprimir a solidão e a necessidade de afeto é um desafio na atual sociedade pay-per-view de pessoas inseguras e com problemas de socialização. Nietzsche em sua obra “Humano, Demasiado Humano” já ponderava: “O que é amar senão compreender e regozijar-se com o fato de que um ser viva, aja e sinta de maneira diferente da nossa, até mesmo oposta? ”. Sábio Nietzsche. O outro ainda é fundamental e sem ele não existe relação.
Em tempos de amor em bits, fazer o mouse deslizar sobre a tela do computador pode até ter alguns benefícios, mas nada comparável ao toque suave na pele do outro. Pelo menos para mim. Não sei para você! Diga ai…o que acha?
Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; e em Direito Penal e Processo Penal pela UFAM. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da UEA e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar. Atualmente é Assessora Jurídica Institucional da Polícia Militar do Amazonas.
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