Pandemia e o aumento do abuso de substâncias químicas

Todos estamos sujeitos a nos tornarmos dependentes?

 

Há anos vemos um crescente número de usuários de drogas no Brasil e com a chegada da pandemia, foi possível observar um aumento expressivo do abuso de substâncias químicas pela população. Segundo o SUS, de 2019 para 2020, houve uma alta de mais de 50% nos casos de emergência por consumo de substâncias alucinógenas, o que também engloba drogas lícitas, como analgésicos e tranquilizantes. Este é um aumento muito expressivo que pode ser relacionado a diversos fatores, mas, principalmente, às incertezas do futuro que geram angústia e desespero, levando as pessoas, em períodos emocionalmente frágeis, como é o caso da pandemia, a buscarem conforto nas drogas.

O isolamento do coronavírus apresenta um desafio sem precedentes, pois pessoas que estavam em tratamento para largar o uso de drogas, tem aumentando significativamente o nível de estresse, por conta das restrições, além de sentir dificuldades em encontrar grupos de apoio, um ombro amigo, e até mesmo ajuda profissional, e por isso, recorrem ao uso delas novamente.

– Sabe-se que a pessoa se torna dependente possivelmente devido a uma memória que a droga cria no cérebro, ligada a situações emocionais e ambientais (familiares, sociais). Nessas situações, através de mecanismos desconhecidos, o indivíduo sente necessidade da droga. Também há o fator da predisposição biológica, que faz com que as drogas causem efeitos diferentes sobre o cérebro de cada usuário, tornando uns mais propensos à dependência que outros, podendo explicar, em parte, o uso abusivo – explica a psicóloga Cristina Navalon.

De acordo com pesquisa publicada em 2007 por David Nutt, renomado professor da Imperial College London, o álcool, a heroína e o crack são as drogas com maior potencial de causar dependência. São considerados vários aspectos para determinar o potencial de vício de uma droga: a facilidade com que se é possível adquirir a substância, acessibilidade de valor da droga, o quanto aumenta a sensação de prazer no corpo, a potência da crise de abstinência e, principalmente, o fator humano que, geralmente, está relacionado ao alívio que as drogas causam em um primeiro momento. Quando há um histórico de abuso de álcool e drogas e doenças psiquiátricas na família, o indivíduo tem mais chances de desenvolver compulsão pelas drogas. Sabe-se, por exemplo, que a incidência de alcoolismo em filhos de pais alcoólatras é de três a quatro vezes maior do que entre os filhos de não-dependentes.

– Tomando como exemplo a fase da adolescência, as drogas de entrada são principalmente o álcool e a maconha. Se essa fase já é difícil para um adolescente que se constitui a partir de uma família estruturada, que dirá quando essa base é invadida por conflitos. Nesse ambiente, o adolescente, com seu caráter em formação, seu ego fragilizado, incapaz de lidar com os conflitos familiares, sentindo-se sem olhar, acolhimento e escuta desse ambiente, buscará pertencer a qualquer grupo para sentir-se aceito. Se esse grupo picha parede, bebe, usa drogas… o adolescente vai fazer isso também. É sua única forma de integração. Desintegrando-se, pertencendo ele adquire identidade, ainda que seja uma identidade emprestada do grupo. De qualquer modo, as experiências da primeira-infância (traumas, ausências, presenças sufocantes) e fatores ambientais-comportamentais podem fazer com que a experimentação da droga para o adolescente passe para o uso compulsivo. Do uso compulsivo pode emergir a dependência. Eis a tragédia– comenta Navalon.

É imprescindível ter o apoio de amigos e familiares para conseguir afastar o dependente químico da droga. É preciso encorajar o doente a enfrentar a situação, pois quanto antes se busca por ajuda, mais fácil fica o prognóstico. Para isso, o amparo de pessoas próximas tem papel crucial na recuperação do indivíduo e para mantê-lo longe de recaídas.

– A pandemia se tornou mais uma válvula para o uso delas, pois a falta de identificação com o outro e, consequentemente, o isolamento, atrelados a todo esse estresse, faz com que cada indivíduo fique muito no ‘seu quadrado’ com as suas psiques individuais. Toda essa situação pode levar ao uso de drogas, como forma de fugir dessa realidade aterrorizante, e ter a falsa sensação de se sentir mais ‘equilibrado’ frente a esse momento único na sociedade – finaliza Cristina Navalon.

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