Por Dra. Ana Paula Amanajás
Queridas leitoras, seguimos nossa jornada de autoconhecimento e autocuidado. Nas
semanas anteriores, discutimos a importância de estabelecer limites, compartilhei
exercícios práticos para implementá-los e desmistificamos o multitarefas. Hoje,
conforme prometido, vamos falar sobre algo que você provavelmente está
negligenciando neste exato momento: seu sono.
“Dormir menos para produzir mais” virou quase um mantra em nossa sociedade.
Celebramos figuras públicas que dormem 4 horas por noite como exemplos de
“dedicação e produtividade”. Perdoem-me a franqueza, mas como neurocientista,
preciso dizer: isso é uma das maiores tolices do século XXI e está literalmente
destruindo sua saúde mental e física.
Vamos aos fatos científicos: durante o sono, especialmente nas fases de sono
profundo, ocorre a limpeza do sistema glinfático – um sistema recentemente
descoberto que remove toxinas do cérebro, incluindo proteínas associadas ao
desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Em termos simples? Dormir mal não
é apenas cansaço – é acúmulo de “lixo neural”.
Além disso, é durante o sono que acontece a consolidação das memórias, a regulação
hormonal (incluindo hormônios que controlam fome, saciedade e metabolismo) e o
reparo de tecidos corporais. Quando você “economiza” em sono, está na verdade
fazendo um empréstimo predatório com juros altíssimos para sua saúde.
Entre minhas pacientes com transtornos de ansiedade, mais de 80% apresentam
distúrbios significativos de sono. E aqui está a questão do ovo e da galinha: problemas
de sono pioram a ansiedade, que por sua vez piora a qualidade do sono, criando um
ciclo devastador. Frequentemente, a mulher moderna só percebe a gravidade da
situação quando já está em um estágio avançado de burnout ou depressão.
Por que nós, mulheres, somos particularmente vulneráveis? Primeiro, as flutuações
hormonais ao longo do ciclo menstrual, gestação, pós-parto e menopausa impactam
diretamente a arquitetura do sono. Segundo, carregamos frequentemente a “cargamental” da família – aquela interminável lista de tarefas e preocupações que nos
mantém desperta às 3h da manhã. E terceiro, porque fomos convencidas de que cuidar
do sono é “luxo”, não necessidade.
Recentemente, atendi uma empresária de 47 anos que havia normalizado despertar 3-
4 vezes por noite para verificar mensagens de trabalho. Quando questionei essa
prática, ela respondeu com naturalidade assustadora: “Mas todas as minhas colegas
fazem isso”. Essa normalização do absurdo é um dos maiores perigos para nossa
saúde coletiva.
E não, aquela história de “vou recuperar o sono no final de semana” não funciona!
Estudos demonstram que o déficit crônico de sono não pode ser compensado com uma
ou duas noites de sono prolongado. Os danos são cumulativos e alguns podem ser
irreversíveis quando mantidos por anos.
Como recuperar a qualidade do seu sono? Vamos às estratégias práticas:
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Estabeleça um ritual noturno: 30-60 minutos antes de dormir, desligue telas (o
espectro azul da luz suprime a produção de melatonina), diminua as luzes da
casa e faça atividades relaxantes como leitura leve, alongamentos suaves ou
meditação.
Mantenha horários regulares: Seu relógio biológico ama previsibilidade. Tente
manter horários semelhantes para dormir e acordar, mesmo nos finais de
semana.
Transforme seu quarto: Temperatura entre 18-20°C, ambiente escuro,
silencioso (ou com ruído branco se necessário) e livre de eletrônicos. Seu quarto
deve ser um santuário para o sono, não uma extensão do escritório.
Monitore estimulantes: Cafeína tem meia-vida de 5-7 horas, o que significa
que aquele café das 16h ainda está em seu sistema à meia-noite. Álcool pode
induzir sono inicialmente, mas fragmenta as fases de sono profundo.
Pratique a “hora do despejo mental”: Antes de deitar, escreva todas as
preocupações e tarefas pendentes em um papel. Este simples ato sinaliza ao
cérebro que você não precisa ficar relembrando aquilo durante a noite.
Busque exposição à luz natural pela manhã: 15-20 minutos de luz natural
logo após acordar ajuda a regular seu ciclo circadiano.
Considere suplementação adequada: Em casos específicos, após avaliação
médica, suplementos como melatonina, magnésio e alguns fitoterápicos podem
auxiliar. Mas atenção: automedicação para sono é perigosa e frequentemente
contraproducente.
Uma paciente minha implementou apenas três dessas estratégias (ritual noturno,
horários regulares e despejo mental) e relatou, após três semanas: “É como se eutivesse descoberto uma nova dimensão da vida. Não sabia que era possível me sentir
tão descansada e focada. Os problemas continuam os mesmos, mas minha
capacidade de lidar com eles está completamente diferente.”
Nosso relacionamento com o sono reflete profundamente nosso relacionamento
conosco mesmas. Quando normalizamos o sono insuficiente, estamos declarando que
nossas necessidades básicas não merecem ser atendidas – uma mensagem
devastadora para nosso inconsciente.
Na próxima semana, fecharemos essa série falando sobre como integrar todas as
práticas que discutimos – limites, foco em uma tarefa por vez e sono de qualidade – em
uma vida real, agitada e imperfeita. Porque teoria é maravilhosa, mas precisamos de
estratégias práticas para o mundo caótico em que realmente vivemos.
Até lá, experimente ao menos uma das técnicas para melhorar seu sono e observe as
mudanças. Seu cérebro e seu corpo agradecem – e eu estou aqui para celebrar cada
pequena vitória dessa jornada.
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