Leyla Yurtsever, advogada, articulista e professora

 

Não raras vezes o termo violência, em especial contra a mulher, tem sido prefixo de fenômeno. Uma tristeza não apenas social, mas também semântica. Palavras não são inocentes. Elas exalam vida, intencionalidades e história. Pesquisa superficial revela que fenômeno é algo observável e especial. Qualitativos difíceis de associar a violência.

Ao qualificar violência contra a mulher como fenômeno observável estamos relevando que os níveis da violência feminina a tempos extrapolaram a mera abstração. Eles agora são observáveis, materializados, quantificados e, lamentavelmente, podem ser lidos nos corpos marcados de inúmeras mulheres.

Estatísticas, pesquisas e estudos demonstram que a violência contra a mulher tem um alto custo financeiro as mulheres, as empresas e a economia. Nos EUA a violência contra a mulher é estimada em US$ 8 bilhões por ano. No Brasil, a falta de concentração, incapacidade de tomar decisões no trabalho, faltas e a alta rotatividade em empregos, geram um prejuízo de R$ 1 bilhão na renda das mulheres. Um custo maior que o Produto Interno Bruto de alguns países.

Outro perigo é que, ao dizer que é a violência é observável, corre-se o risco de naturalizar ações agressivas como práticas do cotidiano. Como qualquer experiência que inicialmente anestesia os sentidos o olhar humano tende a absorver e interpretar como algo comum aquilo que é reprovável, grotesco e criminoso.

Na obra “O menino de engenho”, o protagonista Carlos inicia sua história a partir do assassinato de sua mãe Clarice pelo pai que comete suicídio. Um crime não questionado, justificado como descontrole e aceitável culturalmente. Seu único castigo, possivelmente, é não ter o nome citado nas páginas do romance de José Lins do Rego.

Mas, se a literatura oferece exemplos que naturalizem a violência contra a mulher, ela também produziu relatos de sua desnaturalização. Na genial obra “O quinze”, a professora Conceição rompe uma relação de conflitos, traição e violência com Vicente. Raquel de Queiroz rompe o silêncio constrangedor e violento que atinge professoras, empregadas domésticas, vendedoras, juízas, empresárias e jornalistas.

Ao igualar as mulheres pela violência que lhes atinge, independentemente de sua classe social, se desfaz outro engano corrente em relação aos laços que lhes aprisionam: a gaiola dourada. Não raro, se imagina que este cárcere é exclusivo as mulheres de elevada posição social. Mas esta realidade também é presente nos níveis mais simples da sociedade.

São grades feitas por condições financeiras, status social, tradições familiares, valores religiosos, dependência sentimental, estruturas patriarcais, chantagens e barganhas sobre a aparência, controle do espaço social considerado respeitável, normas de vestuário e outros. O brilho cego dessas grades não respeita classe social.

De viagens exclusivas a finais de semana no piscinão de ramos, de jantares refinados a promoções de fast food, de assentos reservados em eventos a festas populares, todos podem funcionar como uma mão invisível (com a permissão de Adam Smith) que insiste em impor como conservadorismo e coisas naturais de homem a violência contra a mulher.

Especial aqui deva ser tão somente a capacidade feminina de não se submeter a tanta violência. Nos modernos textos acadêmicos e debates públicos essa resistência, que inspirada na luta pelos civis de negros nos Estados Unidos, tem sido definida como empoderamento. Na simplicidade inteligente da professora Conceição, pode-se dizer que empoderamento “ trata da questão feminina, da situação da mulher na sociedade, dos direitos maternos”.

Raquel, Conceição e Clarice marcaram suas vidas com a persistência de ideias a frente de seu tempo. Somam-se a elas, outra centena de mulheres que, assim como eu você, no silêncio de nossas histórias também são exemplos de empoderamento feminino.

 

Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; Direito Penal e Processo Penal pela UFAM; e em Cidadania do Século XXI, Direito Penal e Sociedade Global pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu – IDPEE.É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da UEA e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar. Atualmente é Assessora Jurídica Institucional da Polícia Militar do Amazonas.