A modernidade incorporou não apenas velocidade aos relacionamentos, mas principalmente uma fragilidade e, porque não, uma vulgaridade destes. Antes havia um ritual predefinido com namoro, noivado e casamento, hoje uma interpolação destes.
Tantas mudanças geraram as misérias da felicidade, onde as promessas de amor eterno são substituídas por uma indenização, por vezes, quase eterna também. Trocar alianças nem sempre é garantia de vida futura em comum. Contudo, muitos utilizam-se desse artifício ardil para brincar com os sentimentos alheios, e sem qualquer pretexto justificável, geram uma expectativa, o que pode gerar uma indenização. Esses algozes do amor podem pagar um preço bem alto segundo o entendimento de nossos tribunais, em vista de Lei Complementar embutida na Lei do divórcio nº 6515/77.
Quase sempre, o matrimônio é precedido pelo noivado, que, como visto é o compromisso firmado entre homem e mulher no intuito de, no futuro próximo, constituir família. Vale ressaltar que, em nossa legislação, não há nada que obrigue o noivo ou a noiva a respeitarem a promessa de casamento. Diante desse fato, o rompimento injustificado da promessa acarreta apenas a responsabilidade civil, conforme Direito Canônico de 1062, ocasionando, desta forma, a reparação dos danos morais e patrimoniais sofridos pela parte ofendida.
Nesse contexto, o Código Civil de 2002, o dever de indenizar surge não com base no art. 186, que trata do ato ilícito puro e indenizante, mas com fundamento no art. 187, que disciplina o abuso de direito, como ilícito equiparado. Neste contexto, o reconhecimento do dever de indenizar decorre do ato ilícito extracontratual propriamente dito.
Na jurisprudência, encontramos julgados favoráveis e contrários, além de várias vertentes de entendimentos, sobre a reparabilidade a título de danos morais quando do término do noivado, senão vejamos.
Como primeiro exemplo, merece destaque decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “a ruptura do noivado, embora cause sofrimento e angústia ao nubente, por si só, não gera o dever de indenizar, pois, não havendo mais o vínculo afetivo, não faz sentido que o casal dê prosseguimento ao relacionamento. Todavia, se o rompimento do noivado ocorreu de forma extraordinária, em virtude de enganação, por meio de promessas falsas e mentiras desprezíveis, causando dor e humilhação na noiva abandonada, configuram-se os danos morais” (TJMG, Apelação Cível n. 1.0701.12.031001-9/001, Rel. Des. Rogério Medeiros, julgado em 16/06/2016, DJEMG24/06/2016).
Em continuidade, há ainda entendimento de que existem apenas os danos materiais decorrentes da não realização do casamento, como as despesas com a realização da festa que acabou não ocorrendo:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. Indenização por danos materiais e morais. Rompimento do noivado pelo réu 10 dias antes da celebração do casamento. Danos materiais. Ressarcimento. Admissibilidade. Exclusão dos supostos gastos realizados pelo varão com o cartão de crédito da autora, não demonstrados e divisão igualitária das despesas efetivamente já adiantadas. Danos morais. Afastamento. Direito do noivo de repensar sua vida antes de contrair matrimônio. Pequeno período de duração do namoro. Ausência de situação vexatória, ou humilhante. Apelo parcialmente provido” (TJSP, Apelação n. 0005378-26.2011.8.26.0462, Acórdão n. 8107600, Poá, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Galdino Toledo Junior, julgado em 16/12/2014, DJESP 20/01/2015).
Em contrapartida, decisão que afasta totalmente a possibilidade de reparação dos danos morais por quebra de noivado: “Ausentes os requisitos do art. 186 do Código Civil, não é o caso de incidência de danos morais e materiais, ainda mais quando a parte autora não se incumbiu de provar os fatos alegados. Meros dissabores e frustrações advindas do rompimento do noivado, não ensejam a condenação em indenização” (TJMG, Apelação Cível n. 1.0024.10.124748-4/001, Rel. Des. Pedro Aleixo, julgado em 16/02/2017, DJEMG 06/03/2017).
Por fim, ementa que afasta o dever de indenizar em casos determinados, em que os danos não estão evidenciados, mas reconhecem a reparabilidade dos danos morais por quebra de promessa de noivado, especialmente se os fatos forem de especial gravidade, causando humilhação à outra parte:
“APELAÇÃO CÍVEL. ROMPIMENTO DE NOIVADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE DANO MORAL. FALTA DE PROVA DE DANO MATERIAL. A simples ruptura de um noivado não pode ser causa capaz de configurar dano moral indenizável, salvo em hipóteses excepcionais, em que o rompimento ocorra de forma anormal e que ocasione, realmente, à outra pessoa uma situação vexatória, humilhante e desabonadora de sua honra, o que, no caso dos autos, como visto, não ocorreu. Não se há de falar em indenização por dano material, no caso de rompimento de noivado, se não há prova nos autos de culpa de quem quer que seja pelo rompimento havido e sequer das despesas realmente feitas com a preparação da cerimônia” (TJMG, Apelação Cível n. 1.0480.12.016815-2/001, Rel. Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira, julgado em 03/12/2015, DJEMG15/12/2015).
Atualmente, registra-se que a maioria das ementas afasta a reparação dos danos morais nos casos de quebra de promessa de casamento.
Coadunamos com o entendimento que, a mera quebra da promessa não gera, por si só, o dano moral. Porque não podemos confundir o dano moral com os meros dissabores do cotidiano. Porém, em alguns casos, os danos morais podem estar configurados, principalmente naqueles em que a pessoa é substancialmente enganada pela outra parte envolvida, a qual desrespeita toda a confiança depositada sobre si.
Cite-se, a par dessas afirmações, outro rumoroso caso analisado pelo Tribunal de Minas Gerais, a seguir colacionado: “a vida em comum impõe aos companheiros restrições que devem ser seguidas para o bom andamento da vida do casal e do relacionamento, sendo inconteste o dever de fidelidade mútua. O término de relacionamento amoroso, embora seja fato natural da vida, gerará dever de indenizar por danos materiais e morais, conforme as circunstâncias que ensejaram o rompimento. São indenizáveis danos morais e materiais causados pelo noivo flagrado pela noiva mantendo relações sexuais com outra mulher, na casa em que moravam, o que resultou no cancelamento do casamento marcado para dias depois e dos serviços contratados para a cerimônia” (TJMG, Apelação Cível n. 5298117-04.2007.8.13.0024, Belo Horizonte, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Mota e Silva, j. 31.08.2010, DJEMG21.09.2010).
No mais, de acordo com Flavio Tartuce, a hipótese em que a noiva – ou o noivo – é deixada esperando no altar, na presença dos convidados do casal, o que, sem dúvidas, acarreta consequências no âmbito da responsabilidade civil. Tal situação, sem dúvidas, gera repercussões negativas sobre a honra da pessoa, de modo a caracterizar o dano imaterial. E ainda o que dizer de um caso em que o noivo transmite à noiva uma doença sexualmente transmissível, ou vice-versa, sendo esse o motivo da ruptura? Sem dúvidas, estará presente o seu dever de reparar os prejuízos sofridos pela outra parte.
Além desses exemplos, muitos outros poderiam surgir. De qualquer forma, merece destaque a ressalva inicial sobre o fundamento jurídico da reparação civil em casos tais. Com todo o respeito, reitere-se, não se segue o entendimento pelo qual a reparação está motivada no art. 186 do atual Código Civil, dispositivo que conceitua o ato ilícito indenizante como a soma da violação de um direito – correspondente ao desrespeito de um dever jurídico –, com um dano causado.
Isso porque não há de se falar em lesão ou violação de direitos quando alguém não celebra o casamento prometido, pois a promessa de casamento não vincula a sua ocorrência futura. Desse modo, não há ato ilícito propriamente dito.
O dever de indenizar, em situações tais, decorre do abuso de direito, pelo desrespeito à boa-fé objetiva, diante da norma geral contida no art. 187 da codificação material, in verbis: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Desse modo, o dever de indenizar, nos moldes do art. 927, caput, do Código Civil, tem por fundamento o segundo conceito de ilicitude indenizante.
Assim, a conduta de abuso gera uma responsabilidade pré-negocial casamentária em decorrência do desrespeito aos deveres anexos na fase anterior ao casamento. Trata-se de clara aplicação do princípio da boa-fé objetiva aos institutos familiares, notadamente pela incidência dos deveres anexos de lealdade, de transparência e de confiança.
Ainda que o casamento seja uma expectativa de felicidade, é preferível voltar ao início, a prosseguir no caminho errado, mas tudo dentro dos aspectos da moralidade e respeito à outra parte.
Diante do exposto, conclui-se que a incerteza é o habitat natural da vida, obstaculizando desta forma que o término do noivado como dissabor, mágoa, irritação ou descontentamento seja motivo para pleitear judicialmente uma indenização, sob pena de banalizar o dano moral. É preciso, portanto, que o rompimento esponsal tenha sido infligido de modo cruel, abusivo e vexatório originando uma instabilidade psicológica, social e econômica. Por isso é que se recomenda a análise específica de cada caso, pra ver se houve a quebra dos deveres de lealdade, de transparência e de confiança.
Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; e em Direito Penal e Processo Penal pela Ufam. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da Uea e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar.
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