Em plena revolução francesa, Napoleão Bonaparte conhece Josefina Beauharnis, viúva de um general guilhotinado na revolução, com quem se casaria e manteria uma relação de amor e indiferença até o fim de seus dias. Muitas de suas cartas íntimas, tornadas públicas, revelam seus apelos, desejos e predileções íntimas para com a esposa. Uma de suas recomendações ao retornar das guerras era que Josefina não tomasse banho, para assim preservar seu cheiro de mulher.
A este, seguem-se outros pedidos, insinuações e ameaças do General que, reduzido a condição de homem rejeitado, não conseguia conquistar o pleno amor de Josefina.
Essas intimidades de Napoleão, hoje tornadas públicas, ainda que se revistam de um certo tom jocoso, expõe aquilo que de mais íntimo havia entre um casal.
Nos tempos atuais, onde um quantitativo crescente de mídias digitais oferece diversos recursos para registrar momentos pessoais é preciso ponderar dois aspectos. O primeiro é que muitos desses conteúdos podem ser armazenados em sites, nuvem e blogs e, consequentemente rastreados por terceiros, revelando a intimidade e a perda da privacidade. O segundo aspecto é quando imagens e vídeos são divulgados por uma das partes com o objetivo deliberado de constranger, ameaçar, extorquir ou simplesmente alcançar algum tipo de notoriedade.
O que está em jogo nesse cenário é a intimidade que não se confunde com a triste virtualidade e massificação da extimidade dos dias atuais. Enquanto intimidade se refere ao que não é de domínio público, é privativo e com acesso restrito, a extimidade é sua publicização, onde todos têm acesso e direito de participação. O psicanalista Serge Tisseron, emprestando o termo de Lacan, adverte que para muitos as relações para se tornarem significativas deixaram de ser ‘intimité’ para se tornarem ‘extimité’. Ou seja, a aprovação social é imprescindível, ainda que sujeita a penalidades criminais ou o linchamento social.
Seja pela intervenção de um terceiro ou feita por um dos pares, a divulgação de imagens íntimas é sujeita a sanções penais. A privacidade é intocável. Assegura a Constituição Federal do Brasil de 1988, no artigo 5º, inciso X, o direito à inviolabilidade da “intimidade, da vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A intimidade quando exposta de maneira pública e sem anuência dos envolvidos é crime.
A prática dos nudes, tornada comum pelas redes sociais, tem por base a confiança entre os envolvidos. Contudo, a exposição não consentida dessas imagens e vídeos sujeita o infrator as penalidades previstas no Código Penal, notadamente naquelas que atentam contra a honra (art. 138, 139 e 140). Uma atualização do Código Penal se deu pela Lei 12.737/12 que tipifica e pune invasões em dispositivos de informática para obter dados ou informações sem anuência do titular (Art. 154-A). Para todos estes crimes, as penas variam de 01 a 12 meses acrescida de multa.
Em 2018 foi sancionada a Lei 13.772 que torna crime a gravação sem consentimento ou a montagem que simule cenas íntimas. A punição ocorrerá tanto para homens quanto mulheres.
Os casos de divulgação de cenas íntimas se proliferam. Anônimos ou não, todos agora estão sujeitos ao triunfo tecnológico. A enganosa legitimação social também pode significar o linchamento público, a culpa e o crime. O desejo de aprovação, a busca por status, o ódio, a vingança ou a simples exposição são motivações passionais que não apenas podem levar a situações de vexame e ridículo, e ainda culminar em delito. A intimidade em muitos casos extrapola o nível de afetividade entre pessoas, para se tornar apenas um jogo de interesses, um negócio onde se busca alguma rentabilidade econômica ou social.
As relações atualmente estão imensuravelmente virtualizadas. É quase impensável o uso de meios mecânicos, como cartas e telegramas para se comunicar e se relacionar. As redes sociais são parte do cotidiano e como ‘redes’ são tecidas por fios nos vinculam a muitas relações, pessoas, contextos e perigos.
Se antes, o pensar era sinônimo de existir, hoje estar na rede é que valida a existência. Mas, como tudo que é efêmero, isto também passará, a exemplo de Napoleão que, apesar de glórias públicas, findou no Panteão dos Inválidos.
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