UMA NOVA REALIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA

É de conhecimento geral que o animal de estimação é considerado, muitas vezes, como um membro da família. Este conceito ganhou mais força ainda com a realidade da família multiespécie. Mas você sabia que, em caso de divórcio ou dissolução de união estável, quem decide sobre a guarda do animal é a Vara de Familia, podendo a mesma ser até compartilhada?

Antes de adentrar nestes pormenores, vamos começar com alguns dados muito peculiares. De acordo com os estudiosos, ter um animal de estimação é um jeito de enfrentar a solidão nas grandes cidades. Neste contexto, oBrasil ocupa o quarto lugar em população total de animais de estimação do mundo. O IBGE estimou a população de cachorros em 2013 em domicílios brasileiros em 52,2 milhões, o que dá uma média de 1,8 cachorro por domicílio que tem pelo menos um cão. De acordo com outra pesquisa do IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2013, havia 44,9 milhões de crianças de até 14 anos. Os dados mostram, portanto, que, no Brasil, existem mais cachorros de estimação do que crianças.

Depois destas considerações gerais, vamos a algumas informações importantes.

Se o proprietário quer evitar qualquer disputa judicial envolvendo seu animal de estimação, é necessário que o propietário faça o IDENTIPET, que se trata de um registro feito no Cartório de Títulos e Documentos contend informaçõees tais como: data de nascimento, raça, cor, tamanho e, claro, nome e sobrenome do animal, além dos dados do tutor. Tal registro tem por finalidade a proteção do animal bem como a afirmação de proriedade e posse do tutor.

Assim, no caso de divórcio dos cuidadores, o IDENTIPET é  um meio legal de  comprovação dos direitos dos donos e facilita nas disputas judiciais pela guarda. No mais, vale também no caso de roubos ou desaparecimento do pet.

O IDENTIPET também facilita o transporte dos animais em viagens. E o documento ainda poderá ser usado em casos de morte do tutor. Nesse tipo de situação, a guarda do bicho de estimação passa aos herdeiros do dono, assim como seus demais bens.

O registro se destina a animais domésticos, mas os pets de estimação exóticos não ficam de fora. No caso dos animais silvestres, o IDENTIPET também pode ser feito desde que o tutor apresente documentação validada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Na Câmara dos Deputados, tramita um Projeto de Lei (PL1365/2015), de autoria do deputado Ricardo Tripoli, aguardando a designação do relator na Comissão de Constituiçãoe Justiça e de Cidadania (CCJC) sobre os animais de estimação em casos de separação, que tem como pontos: o melhor ambiente para a moradia do animal, os laços afetivos dele em relação as partes, disponibilidade para cuidar e condições financeiras para a manutenção do animal.

Todavia, ainda que falte ao nosso ordenamento jurídico disciplina legal sobre o tema, este não pode passar desapercebido aos olhos do operador.

Enquanto nao há lei regulando a questão e não havendo consenso entre as partes, cabe ao Judicário encontrar a solução ao caso concreto no que tange à guarda do animal, aplicando as regras do Código Civil(art. 1583 – disciplina a guarda podendo ser unilateral ou compartilhada) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 33 – dispõe que quem deve prestar toda a assistência necessária é o titular da guarda).

Já que a guarda é direito inerente dos tutores, em casos de disputa judicial, o cônjuge  ou companheiro sem a guarda, mas que estime o seu bichinho, pode solicitar ao magistrado a concessão de visitas, tudo em nome do bem estar animal.

Ainda cabe salientar sobre a responsabilidade que os tutores de animais tem com estes, independente de deterem ou não a guarda. Os animais de estimação tem todo o direito de receber pensão alimentícia em caso de divórcio de tutor que não detenha a guarda e é uma obrigação indeclinável sendo considerado um  direito fundamental.

Sobre o assunto, abaixo algumas decisões recentes do Judiciário em caso de disputa judicial sobre a guarda do animal de estimação, levando em consideração as melhores condições para o pet, mas também o afeto que a família desenvolveu por ele:

1) O marido, que perdeu a guarda do seu bichinho, recorreu para que a decisão de primeira instância fosse modificada em alguns pontos, entre eles a determinação de que o cachorro de estimação do casal ficasse sob a guarda da mulher, para tanto, sustentou que o animal foi um presente paterno, razão pela qual ele deveria deter a guarda do cãozinho, contudo, não obteve êxito, já que os desembargadores negaram o pedido alegando que na caderneta de vacinação do cão chamado Julinho, não constava o nome do homem como proprietário, mas sim da mulher, o que levou a concluir que era ela quem cuidava do animal de estimação, devendo a guarda permanecer com ela. (Apelação Cível. 7ª Câmara Cível Nº 70007825235: Comarca de Caxias do Sul).

2) O comportamento evidenciado pela mulher, portanto, não demonstra o efetivo interesse em reaver o animal de estimação, que conforme já restou consignado pelo recurso de agravo de instrumento fora doado para ambos, uma vez constante no título de propriedade do animal o nome, não só da mulher, como também do marido, ainda que em menor destaque, podendo-se inferir sua igual titularidade para o domínio. Verificados elementos que demonstram a ausência de interesse da mulher em reaver o animal de titularidade do casal, justifica-se sua manutenção sob a titularidade do marido que dele tem cuidado desde a separação fática dos litigantes. (Nº 0072779-02.2013.8.26.0000. Relator James Siano. Comarca: Mogi das Cruzes. Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 23/07/2013).

3) A Relatora do julgamento de agravo de instrumento oriundo de ação de divórcio com busca e apreensão de animal de estimação, entendeu que o cachorro que antes era de convivência comum no âmbito da família, deveria ficar sob a guarda da mulher, pois, a agravante anexou nos autos fotos do animal de estimação, comprovando o longo relacionamento dela e seu filho com o animal. Destacou que, foi acrescido às provas colacionadas nos autos, o fato de o marido, em sua inicial, ter conseguido ver deferida a medida que determinada a busca e apreensão do animal que se encontrava na casa da requerida, contudo, alegou a ex-esposa, em sede de recurso, que jamais fora comprovado que o cachorro era de estimação do ex-cônjuge, pois ele sequer juntou as características do animal ou provou que era seu proprietário. (Agravo de Instrumento nº 70064744048, 7ª Câmara Cível, TJ/RS, Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/05/2015).

Conclui-se, assim, que o Direito por ser dinâmico tem que se adequar a realidade posta e que a família multiespécie é uma realidade que deve ser respeitada.

Diante do exposto, percebe-se que o Poder Judiciário está sendo sensível aos clamores dos seus jurisdicionados e vem reconhecendo o direito à guarda compartilhada ou unilateral, o direito de visitas e o direito a alimentos não somente dos seres humanos, mas também dos animais de estimação.

Leyla Yurtseveré advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; e em Direito Penal e Processo Penal pela Ufam. É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da Uea e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar.

 

Referências bibliográficas

LOBO, Paulo. Direito Civil – Famílias. De acordo com a Emenda Constitucional n. 66/2014 (Divórcio). 4ª Edição. Editora Saraiva: 2011.

MELO, Nehemias Domingos de. Lições de Direito Civil – Família e Sucessões. Volume 5, Editora Atlas. 2014: São Paulo.

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