Em seu aniversário de 43 anos, D. Pedro II ganhou uma peculiar homenagem de um irreverente poeta, que se intitulava apenas como Um Monarquista. Este publicou no Jornal do Comércio, uma mídia governista, o seguinte acróstico:
Ó excelso monarca, eu vos saúdo!
Bem como vos saúda o mundo inteiro,
O mundo, que conhece as vossas glórias…
Brasileiros, erguei-vos e de um brado
O monarca saudai, com hinos!
Do dia de dezembro o dono faustoso,
O dia que nos trouxe mil venturas!
Ribomba ao nascer d’alva a artilharia
E parece dizer em tom festivo
Império do Brasil, cantai, cantai!
Festival harmonia reine em todos;
As glórias do monarca, as sãs virtudes
Zelemos, decantando-as sem cessar.
A excelsa Imperatriz, a mãe dos pobres,
Não olvidemos também de festejar
Neste dia imortal, e que é fecundo,
O dia venturoso em que nascera,
Sempre grande e imortal, Pedro II.
A aparente homenagem, na verdade, era uma forma de detratação da figura pública do imperador, quando se lia verticalmente as letras iniciais de cada frase, afirmando que “o bobo do rei faz annos”.
Passados quase dois séculos deste episódio, mudaram apenas os personagens e os meios usados para difamar, ofender, injuriar, caluniar ou falar mal de alguém. Na atualidade, a atomização da internet permitiu a criação de uma realidade a parte, um mundo quase sem lei, onde verdades podem ser depostas, questionadas e duvidadas. Tendo-se isso como insuficiente, parte-se para agressões variadas, atribuindo ações e falas a alguém, bem como sombreando a moral e dignidade de outrem.
Se antes, os ataques a honra eram dirigidos, na grande maioria, a figuras públicas, artistas, políticos, cantores e outros, hoje todos estão à mercê desse fenômeno de massa, potencializada pelo acesso irrestrito as redes sociais e blogs. A ausência física e aparente anonimidade simulam uma proteção enganosa.
Relacionamentos afetivos rompidos, questões de consumo impontuais, causas partidárias opostas, debates religiosos inconciliáveis, escândalos políticos, opções sexuais diferentes e tantos outros são rapidamente publicizados em perfis falsos, fotos, gravações em áudio e vídeo com detalhes obscuros. A partir disso, análises rasas sobre as relações pessoais, econômicas ou sexuais são feitas em programas, onde cada intervenção se eleva ao patamar de especialista da dignidade alheia.
Contudo, a responsabilidade civil pelas agressões na internet é a mesma cometida no mundo físico. O mundo virtual não isenta de uma responsabilidade sobre atos ilegais, sejam eles cometidos por redes sociais, e-mails, transações financeiras, etc.
A Constituição Federal do Brasil assegura a liberdade de expressão, onde todos podem manifestar livremente sua opinião, ideias e pensamentos pessoais sem retaliação e censura. Mas quando estas passam a adjetivar negativamente alguém causando danos psicológicos ou materiais, a que se responder criminalmente por estes.
Uma proposta em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados propõe retirar do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) a rixa e os crimes contra a honra classificados como difamação e calúnia. Em contrapartida, se introduziria no Código Penal o crime de injúria discriminatória ou racial, com pena de um a quatro anos de reclusão e multa. A exemplo de outros países, o objetivo é atualizar o, quase secular, Código Penal, visto que crimes contra honra são associados à ação penal privada e já são atendidos pelo Direito Civil, onde indenizações podem ser alcançadas.
Não se deixa de notar que, se por um lado, aumentaram os julgamentos, difamações e ataques a honra e dignidade, por outro o público interessado nessas execrações virtuais também cresceu. Por certo, sintoma de uma sociedade não muito sadia psicologicamente.
Esse problema aflige não apenas os homens, mas até o filho de Deus precisou lidar com denúncias inverídicas. Pelos relatos bíblicos Cristo também se preocupou em determinado momento sobre quem os homens diziam ser ele. Não se sabe quais as reações de D. Pedro II, nem mesmo se soube da real intenção da mensagem, mas a de Cristo foi corrigir rapidamente as informações erradas aos seus amigos.
Se Imperador ou filho de Deus, em jornal ou internet, pelo jeito ninguém escapa ao olhar julgador do outro.
P.s.: Em 1868, a palavra ano era, por motivos etimológicos, grafada com dois enes, devido sua origem do latim annus.
Por Dra. Leyla Yurtsever– OAB 3737 (Causas Cíveis, trabalhistas, imobiliárias, família e consumidor.