Leyla Yurtsever, advogada, articulista e professora
Em 1973, um banco próximo à praça de Norrmalmstorg na cidade de Estocolmo sofreu uma tentativa de assalto. Durante 6 dias, três mulheres e um homem foram feitos reféns. Ao final, estes tinham desenvolvido uma relação de simpatia com seus raptores. Pequenos gestos foram, posteriormente, descritos pelos reféns nos processos judiciais que se seguiram como sinais de proteção e cuidado. O psicólogo criminologista que acompanhou o caso observou este desvio psicológico, onde as vítimas desenvolveram uma relação de afeto e defesa de seu agressor, e cunhou o termo Síndrome de Estocolmo.
Eventos semelhantes a estes se seguiram e ainda ocorrem. Em muitos casos, algumas vítimas após um sequestro ou assalto terminam se casando com seus agressores. Nestes casos, se desenvolve um vínculo emocional que minimiza ou atenua os ataques, agressões e violência sofrida. Talvez alguém possa até afirmar que jamais se submeteria a isso ou facilmente reconheceria este comportamento. Ocorre que nem sempre isso é fácil. Mudam-se as épocas e as formas de seduzir também são aperfeiçoadas.
Somos máquinas desejantes. Narcisos atraídos constantemente pela beleza de nossos desejos. Confessados ou não, realizados ou apenas imaginados, nossos sentidos seguem uma lógica de nos atrair, seduzir e enganar constantemente.
A sétima arte sabe disso e seu verniz nos seduz. Diversos relacionamentos na ficção, que deveriam ser vistos como desviantes e violentos, são glamourizados e elevados ao status de fetiche aceitável e dignos de serem copiados.
Algemas, chicotes, viagens, carros, compras e festas podem seduzir até o mais casto dos seres. Não importa se para isso sejam necessários 365 dias de uma feliz rotina de prazeres e viciante dopamina. O corpo, tal qual um queijo suíço, é ofertado com múltiplas possibilidades de orifício.
Mas, tudo encontra seus limites. Muitas vítimas presas a esse bonde do desejo, por vezes, não conseguem sair de tipo de relação. O que inicialmente lhes seduzia, conferia status, prazer e felicidade agora lhe aprisiona. As algemas agora não produzem mais euforia, mas vergonha, desprazer e marcas de violência. Situações atuais podem nos ajudar a entender melhor essa realidade.
Relações de fachada e casamentos por conveniência sempre são conhecidos. Quase todos nós sabemos de um. Hoje nem é preciso roubar um banco, nem tampouco sequestrar alguém para se viver uma relação de perigo. As mulheres, em geral, são mais atraídas pelos diversos instrumentos modernos de sedução e terminam prisioneiras em gaiolas douradas. O medo de perder a posição social, os privilégios econômicos e suas facilidades as encarceram em uma realidade que antes lhe seduzia. Desculpas dessa ordem são utilizadas como justificativas para manter a relação.
O corpo cavernoso que antes atraia, agora é alvo de violência física e psicológica. Menções a uma subalternidade econômica e dependência social são repetidos exaustivamente, com a mesma força e constância com que antes eram proferidas palavras de cuidado. As forças das mãos agora não geram prazer, mas violência. Ainda assim, muitas mulheres cegas psicologicamente insistem em manter um vínculo com seus agressores. Mas violência é violência. Suas marcas, ainda que invisíveis são profundas.
Abandonar esse ciclo não é um caminho fácil para muitas mulheres. Isso significa, por vezes, abandonar um ciclo de amigos, reiniciar uma carreira, retomar os estudos e reconstruir-se totalmente, tanto física quanto psicologicamente. Como todo pássaro que sai da gaiola será preciso aprender a voar novamente.
Não existe nada mais enganador do que desejos. É a saudade da neve que nunca vimos, mas que ainda assim nos atrai e seduz.
Leyla Yurtsever é advogada, articulista e professora. Sócia e fundadora do escritório jurídico Leyla Yurtsever Advogados Associados. Graduada em Direito. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Ciesa; Direito Penal e Processo Penal pela UFAM; e em Cidadania do Século XXI, Direito Penal e Sociedade Global pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu – IDPEE.É Mestre em Gestão e Auditoria Ambiental pela Universidad de Leon (2006) – Espanha. Doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Santa – Fé – UCSF. Foi coordenadora do Curso de Especialização em Direito Eleitoral da Universidade do Estado do Amazonas e do Núcleo de Prática Jurídica, neste último atua ainda como professora. Palestrante convida da Escola Judiciária Eleitoral – EJE/ AM. Coordenou e lecionou no Escritório Jurídico da UNIP e no Núcleo de Advocacia Voluntária – NAV – da Uniniltonlins. Professora da Universidade Federal do Amazonas e subcoordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da UFAM/Direito. Foi professora do curso de Segurança Pública da UEA e a primeira mulher a ser professora de uma disciplina militar denominada “Fundamentos Políticos Profissionais” no Comando-geral da Polícia Militar. Atualmente é Assessora Jurídica Institucional da Polícia Militar do Amazonas.