Mini Doc mostra o processo criativo entre a instituição de arte e a marca de moda carioca em torno da centralidade do espaço de produção para o criar; primeira exibição foi feita durante desfile da marca na última edição do SPFW, em novembro.
A marca Handred, fundada no Rio de Janeiro por André Namitala, mantém um diálogo constante com a arte brasileira e todas as suas expressões, bem como o design e a arquitetura nacional. Para além de referência ou inspiração, essa relação faz parte da identidade da marca porque, antes de tudo, a Handred sempre propõe um encontro com a cultura do Brasil a cada coleção. Desta vez, a marca promove um encontro potente com a obra do pintor, desenhista, escultor, ceramista e escritor Francisco Brennand (1927-2019), por meio de uma parceria inédita com a Oficina Brennand, a primeira da instituição de arte com uma marca de moda, que busca sobretudo celebrar a relevância do legado do artista.
A atual coleção da marca, intitulada “Handred X Brennand”, é o eixo do grande projeto criativo que se formou a partir da parceria entre a marca e a instituição. Dele, se desdobram peças de cerâmica utilitárias e outras especiais, desenvolvidas para fazerem parte das roupas mais singulares da coleção; uma publicação com registros de todas as ações da parceria; e um curta metragem documental que registra a formação desse encontro e a dinâmica da criação conjunta. O mini doc é dirigido pela cineasta Míriam Struz, que participou de produções audiovisuais como Refavela, sobre o disco de Gilberto Gil, e o novo documentário a ser lançado sobre Adriana Varejão. O curta tem como fio condutor aquilo que une fundamentalmente as perspectivas de criação da Handred e da Oficina Brennand: o espaço da produção e do fazer artesanal como essência da criação das peças.
Esse ambiente é tão protagonista que o curta começa com planos abertos da Oficina Brennand, ao som da leituradas passagens dos diários de Brennand que registram sua chegada na antiga Cerâmica São João, que a partir de 1971 passou a abrigar o universo criado pelo artista. Os cortes do espaço passam a se movimentar no ritmo da música pernambucana e conduzem ao início dos depoimentos que trazem os envolvidos na parceria. André, diretor criativo da marca, conta que encara o tema de suas criações como objeto de estudo e, desta vez, foi muito mais do que isso: a parceria com a Oficina Brennand foi um grande encontro, que permitiu contato aprofundado com a extensa obra de Brennand e acesso completo ao acervo do artista.
Esse acervo foi construído a muitas mãos, unindo os saberes dos artesãos que trabalharam com Brennand, alguns desde a década de 50, e são grande parte da alma da Oficina. Parte importante da troca criativa entre a marca e a instituição acontece a partir do contato com o fazer artesanal dos trabalhadores e de como eles mantém a forma de trabalhar as peças transmitida por Brennand ao longo dos anos, registrados em depoimentos emocionados e de grande destaque no filme de desenhistas, ceramistas e artesãos da Oficina. A importância desses artesãos é reforçada no depoimento de Marianna Brennand, sobrinha-neta de Brennand e presidente da Oficina, que destaca a dedicação deles no desafio de desenvolverem pela primeira vez, para a Handred, peças de cerâmica em escala reduzida que serão parte das peças mais especiais da coleção.
As conversas entre André e Marianna são registradas em plano amplo, destacando sempre a paisagem da Oficina, espaço que sintetiza o legado de Brennand para além das obras: um espaço com produção em série própria, que toma forma a partir do saber de funcionários que partilham da maneira através da qual o artista cria enquanto executam as obras, e assim se tornam parte essencial do ambiente de produção e da identidade do que é produzido.
E é nessa perspectiva que a Handred se conecta com Brennand: a base da identidade da marca é seu ateliê, onde André acompanha cada parte do desenvolvimento de suas criações a muitas mãos com costureiras, bordadeiras e a equipe da marca. Ao desenvolver suas peças, Brennand o fazia lado a lado com os oleiros, ceramistas e projetistas da Oficina que, mesmo após sua morte, seguem trabalhando as peças da maneira desenvolvida por ele. A criação coletiva como legado é o que o mini doc procura mostrar como direcionamento comum e fundamental para a Handred e para a Oficina Brennand, trazendo para o protagonismo o ambiente em que o ofício toma forma e quem o executa e, portanto, co-cria.