Por SIDNEY CHALUB. Phd

Cirurgião do Ap Digestivo

Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica

O diabete melito tipo 2 (DM2) é doença metabólica caracterizada por hiperglicemia desencadeada por secreção deficiente de insulina pelas células β do pâncreas e/ou aumento da resistência periférica à ação desta. A hiperglicemia crônica está associada com dano e insuficiência de vários órgãos. A evolução da doença é a causa mais comum de cegueira, amputações e insuficiência renal em adultos no ocidente e, como fator de risco coronariano, aumenta a incidência de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral1.

A prevalência da doença tem tido crescimento em grandes proporções. Estima-se que aproximadamente 150 milhões de pessoas no mundo sofram de DM2, com aumento para aproximadamente 300 milhões em 2025, com o surgimento de um caso novo a cada cinco segundos14.

No Brasil, o oitavo país com maior número de casos, essa doença afetava 4,5 milhões de brasileiros em 2000, com perspectiva do dobro deste número até 2030, segundo informações da Organização Mundial de Saúde.

A associação entre obesidade e diabete é bem definida. Principalmente a localizada na região abdominal pode elevar o risco em 10 vezes e para cada aumento de 10% no peso corporal, há aumento de 2 mg/dL na glicemia em jejum.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde , a obesidade aumenta a morbimortalidade relacionada à doenças cardiovasculares, resistência à insulina, DM2, dislipidemia, apneia do sono, problemas ortopédicos, pneumopatias e distúrbios psicológicos. Como a perda de peso contribui sobremaneira para o sucesso da terapêutica em diabéticos, o combate à obesidade ganha cada vez mais importância.

Um estudo realizado pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, avaliou a eficácia da cirurgia do diabetes comparada ao tratamento convencional, com remédios orais e aplicação de insulina. 

Pesquisadores constataram que os pacientes que passaram pela cirurgia tiveram uma queda média de 21% nos níveis de glicose no sangue após um ano. Já o tratamento convencional resultou em um aumento de 11% da taxa. A cirurgia se mostrou eficaz também na redução do consumo de medicamentos orais e insulina. 

Antes da cirurgia, 84,3% dos pacientes estavam tomando medicação para controlar a doença e, um ano após o procedimento, apenas 22,4% ainda faziam uso de alguma substância. 

No grupo de tratamento convencional, porém, a porcentagem de pacientes que necessitam de insulina ou medicamento oral saltou de 66,7% para 82% em um ano. 

No grupo que passou pela cirurgia, os níveis de glicose no sangue passaram de uma média de 7,5% no pré-operatório, para 5,8% após um ano, fixando-se em 6,1% após três anos. Naqueles que receberam o tratamento convencional, os níveis aumentaram de uma média de 7% para 7,8% após três anos.

Para os pesquisadores, os bons resultados da cirurgia para o controle do diabetes tipo 2 devem-se, basicamente, a dois fatores: a perda de peso do paciente e, principalmente, a alterações hormonais. 

Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), a cirurgia do diabetes pode ser indicada no tratamento de pacientes diabéticos tipo 2, com IMC (Índice de Massa Corpórea – peso dividido pela altura ao quadrado ) acima de 35. Ainda está em estudo pelo CFM a liberação do procedimento para pacientes com IMC entre 30 e 35. Para pacientes com o IMC abaixo de 30 a cirurgia ainda não é indicada.

A Associação Americana de Diabetes recomenda manter os níveis de glicose no sangue abaixo de 7%. O diabetes é uma disfunção do metabolismo, que compromete a maneira como organismo absorve a glicose necessária para a manutenção das atividades vitais.

Depois da digestão, a glicose passa para a corrente sanguínea, onde é utilizada pelas células para produzir energia, usada pelo organismo. No entanto, para que a glicose possa adentrar as células, ela precisa da ajuda de outra substância, a insulina.

A insulina é um hormônio produzido no pâncreas, uma grande glândula localizada atrás do estômago. Quando nos alimentamos, o pâncreas produz automaticamente a quantidade certa de insulina necessária para mover a glicose do sangue para as células do corpo. 

Nas pessoas com diabetes, porém, o pâncreas produz pouca insulina ou então as células não respondem da forma esperada à insulina produzida. Assim, a glicose do sangue vai direto para a urina sem que o corpo se aproveite dela, ou fica no sangue, aumentando as taxas de glicemia, concentração de glicose nas células. Acredita- que o diabetes está diretamente relacionado à obesidade.

Embora não se prove uma relação direta, a maioria dos diabéticos são obesos e as causas da doença estão no histórico familiar e nos hábitos de vida. 

De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, 67,6% dos entrevistados têm peso normal ou sobrepeso e grande parte deles, 79,6%, são portadores do tipo 2 da doença, ou seja, tipo adquirido pela ingestão excessiva de açúcar na dieta. 

Quase 95% dos pacientes tem diabetes tipo 2, que começa na vida adulta, geralmente após os 40 anos de idade. Os cinco por cento restantes são diabéticos tipo 1 (que em geral aparece na infância e são dependentes da insulina)

Aparentemente, o tratamento cirúrgico da obesidade tem um efeito maior no controle da diabetes tipo 2 que o tratamento médico convencional. Assim, o estudo Sueco em doentes obesos (Swedish Obese Subjects [SOS] Study) que incluiu 2037 doentes sujeitos a tratamento convencional e 2010 doentes obesos submetidos a cirurgia bariátrica, demonstrou, após 10 anos de follow-up, uma taxa de incidência de diabetes tipo 2 nos doentes submetidos a tratamento conservador de 28%, comparativamente com 7% nos pacientes operados; o risco relativo ajustado em relação à mortalidade foi de 0,71, também a favor do grupo cirúrgico.

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Em centros especializados, a influência favorável da cirurgia bariátrica na remissão da diabetes tipo 2 em doentes obesos tem sido reconhecida há décadas7 e foi confirmada em séries institucionais com um follow-up a longo prazo,bem como em grandes meta-análises com a inclusão de milhares de doentes.

Segundo os dados da meta-análise mais recente, publicada em 2009, 78,1% dos doentes entraram em remissão completa, com uma glicémia em jejum <100

mg/dl ou uma hemoglobina glicada <6%, sem qualquer medicação anti-diabética associada. Em 74,6% dos doentes, a remissão durava há mais de 2 anos, tendo sido a derivação bílio-pancreática a intervenção mais eficaz, seguida do bypass gástrico e da gastroplastia vertical anelada.No entanto, 5 anos após a remissão inicial, até 1/3 dos doentes submetidos a bypass gástrico podem sofrer de um reaparecimento da diabetes, geralmente relacionado com a severidade e a duração da doença pré-operatória.

O sucesso da cirurgia está ligado à diminuição da resistência periférica e hepática à insulina, tanto após colocação de banda gástrica, como após bypass gástrico ou gastrectomia vertical calibrada por via laparoscópica; no entanto, as intervenções bariátricas contribuem para o controlo da diabetes tipo 2 não apenas através da redução do peso e, consequentemente, da insulino-resistência, mas, também, pela alteração do perfil das hormonas do tubo digestivo.

O efeito entero-endócrino da cirurgia A melhoria do controlo glicémico em doentes obesos portadores de diabetes tipo 2 submetidos a cirurgia bariátrica faz-se acompanhar por profundas modificações da secreção hormonal gástrica e entérica no pós-operatório, nomeadamente na fase pós-prandial. O bypass gástrico representa uma das técnicas cirúrgicas mais bem estudadas neste contexto, verificando-se um aumento significativo dos níveis pós-prandiais do GLP-1 e do PYY em comparação com os valores pré-operatórios, ou com grupos controle de doentes obesos e não-obesos. Resultados semelhantes foram descritos em doentes obesos diabéticos submetidos a

gastrectomia vertical calibrada.Um dos efeitos mais significativos do GLP-1 no da diabetes tipo 2 observa-se a nível da célula beta do pâncreas, com aumento da secreção de insulin e da proliferação destas células e diminuição da

sua apoptose. Consequentemente, a secreção de insulina induzida por carga oral de glicose, em comparação com a secreção após carga endovenosa, aumenta após cirurgia bariátrica. Em doentes submetidos a bypass gástrico, este efeito incretina [(InsulinaAUCoral InsulinaAUCisoglycose IV) / InsulinaAUCoral x 100%] quadruplica comparativamente aos valores

pré-operatórios.

Em relação à grelina em jejum após bypass gástrico, os resultados são contraditórios, tendo sido observados valores reduzidos,61,62 estáveis,55 ou até

aumentados, no caso de doentes com perda continua de peso.63 Uma redução sustentada da grelina em jejum foi observada em doentes submetidos a cirurgias

com ressecção do fundo gástrico, local da maior produção deste peptídeo, como a gastrectomia vertical.

O índice da massa corporal (IMC) tem sido utilizado para identificar doentes com obesidade severa ou mórbida que possam ter indicação cirúrgica, desde

a conferência de consenso dos National Institutes of Health dos EUA, em 1991, que abordou as indicações da cirurgia gastrintestinal para a obesidade severa. Assim, apenas doentes com IMC ≥40 kg/m2 ou ≥35 kg/m2 e patologia severa associada à obesidade, como a hipertensão arterial de difícil controlo, a diabetes tipo 2, ou a síndrome de apneia-hipopneia do sono, têm sido considerados candidatos à cirurgia, de acordo com a maior parte das guidelines de sociedades cirúrgicas como a Sociedade Europeia para a Cirurgia Endoscópica.

No entanto, os resultados da cirurgia no controle das co-morbilidades, bem como o avanço tecnológico e científico, incluindo a melhoria dos cuidados peri-operatórios e a introdução da cirurgia laparoscópica, fizeram expandir os limites da indicação cirúrgica para além do controle do excesso de peso .

Muitas sociedades médicas incluíram, assim, a opção cirúrgica nas suas recomendações terapêuticas relativamente ao tratamento da diabetes tipo 2,

nomeadamente em doentes com obesidade severa ou mórbida . A indicação cirúrgica em doentes com um IMC ≥35 kg/m2 parece ser quase consensual. No entanto, o tratamento cirúrgico em doentes com um índice de massa corporal menor é ainda objeto de controvérsia e a decisão terapêutica deverá ser individualizada, de acordo com a melhor evidência científica, a capacidade técnica instalada e as preferências do doente.

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