Vivemos um momento de excepcionalidades. Costumes, normas e regras estão num ciclo mutacional irreversível, que o filósofo Heráclito sintetizou na expressão “panta rei”, ou seja, tudo flui, tudo muda e nada se mantém constante.

Contudo, alguém anterior a Heráclito observou que imprevisíveis mudanças podem alterar os pactos legais. Hamurabi (2.700 a.C.), um grande político estrategista em seu famoso código de normas estabeleceu na Lei 48 que: “se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano” (grifo nosso). Um filósofo, um político e o começo de um paradoxo econômico-social.

Estabelecia-se assim, o que em latim foi denominado de rebus sic stantibus, ou seja, enquanto as coisas estão assim. Esta foi a base para a Teoria da Imprevisão, consagrada no artigo 478 do Código Civil, onde situações imprevistas podem ocasionar revisão em contratos, mesmo que não se define quais situações imprevistas.

Neste caso específico, o mundo vive sob uma ameaça viral de proporções pandêmicas que, pelo impedimento do exercício laboral ou produtivo, afeta os contratos de aluguéis de pessoas e empresas. A Lei do Inquilinato (8.245/91), o nosso código de Hamurabi sem a Lei 48, regula o mercado de aluguéis residenciais e comerciais. Em 2009 se alterou o prazo de desocupação e em 2012 as ações de despejo. É sob esta Legislação que estão definidos os vínculos obrigacionais, com direitos e deveres entre locador e locatário.

Cabe ao locatário satisfazer os aluguéis mensais e demais encargos previstos no contrato, dispondo do imóvel ao fim do contrato. Ao locador cabe a entrega do imóvel em condições de uso, obrigações quanto aos vícios anteriores à locação, pagamento de impostos e taxas e outros.

Em sua atual forma, a Lei do Inquilinato apenas prevê multas e despejo em casos de inadimplência e quebra de contrato. Nada prevê sobre situações excepcionais, como pandemia, que inviabilizam a suficiência dos aluguéis e demais encargos. Neste caso, se recorre ao Código Civil, que prevê casos de força maior para revisão ou dissolução do contrato de aluguel (artigo 478, CC).

Da lavra política surgiu uma engenhosa tentativa de suprir essa carência, por meio da Lei 14.010/20, criando regras transitórias durante o período de pandemia de Covid-19. No tocante aos contratos de aluguel, o artigo 9º dessa Lei estabeleceu que ordens de despejo ficariam suspensas até 30/10/20, considerando aquelas emitidas a partir de 20/03/20, quando foi decretado o estado de calamidade pública. Liminares anteriores a esta data, poderiam ser cumpridas.

Na prática essa Lei repercutiu pouco mais de 4 meses, visto que sua aprovação se deu em 10/06/20 com alcance até 30/09/20. Salvo liminar em contrário, muitos pedidos anteriores à promulgação da Lei foram executados integralmente. Nos tribunais coube aos juízes decidirem. Estes oscilaram entre negar liminar ou autorizar o despejo, mas com execução apenas após 30/10/20. Como não houve renovação legal deste prazo as ordens de despejo agora são todas executáveis.

Atualmente encontra-se em pleno vigor a Lei do Inquilinato. Esta permite soluções extrajudiciais para dissolução dos contratos e pagamento ou perdão parcial e/ou total das dívidas locatícias. Não havendo acordo e, decidindo permanecer no imóvel é possível pleitear na justiça um prazo para o pagamento dos aluguéis, a exemplo de 30 a 120 dias, ou ainda solicitar uma redução percentual do valor, por exemplo 50%, dos aluguéis durante a pandemia. Passado esse período voltam a vigorar as cláusulas iniciais do contrato.

 

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