O 7 de setembro, dia da Independência do Brasil, é a mais conhecida e celebrada data nacional. Está associada à proclamação feita, em 1822, pelo príncipe D. Pedro, às margens do riacho do Ipiranga, em São Paulo, acontecimento que teria assinalado o rompimento definitivo dos laços coloniais e políticos com Portugal.

Entretanto, o episódio do Ipiranga não teve repercussão no momento em que ocorreu, pois a separação do Reino europeu não era uma decisão consensualmente aceita pelos diferentes segmentos da sociedade na época. Tanto o delineamento do Império e da monarquia constitucional quanto o reconhecimento da data de 7 de setembro como marco da história da nação brasileira foram resultado de complexo processo de lutas políticas que tiveram lugar no Rio de Janeiro e nas demais províncias do Brasil durante a primeira metade do século XIX.

Após 1860, a data começou a ganhar importância no calendário de comemorações oficiais do Império, período em que também foram erguidos monumentos em homenagem à fundação da nacionalidade . Em 1862, foi inaugurada a estátua equestre de D. Pedro I na atual Praça Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro, em honra aos quarenta anos da Independência e à Carta Constitucional de 1824. Entre 1885 e 1890, realizaram-se, na cidade de São Paulo, as obras de construção do Monumento do Ipiranga, palácio de feições renascentistas, edificado no suposto local do famoso “grito”, e que após a proclamação da República passou a abrigar o Museu Paulista, popularmente conhecido como Museu do Ipiranga. Especialmente para ornamentar esse edifício, Pedro Américo confeccionou, entre 1886 e 1888, o painel Independência ou Morte , imagem emblemática do 7 de setembro.

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Com a organização do regime republicano, esse dia passou a figurar como a mais significativa data da história brasileira, sendo festejada anualmente com desfiles militares e outras manifestações. Essas tradições celebrativas se consolidaram em 1922, por ocasião do Centenário da Independência, momento em que foi oficialmente instituído o Hino Nacional cantado até hoje.

A reiterada associação entre Independência e separação de Portugal acabou simplificando a compreensão das circunstâncias históricas do início do século XIX, interpretando-se muitas vezes de forma literal a data de 7 de setembro, como se fosse um fato capaz de alterar o curso da história, quando constitui, sobretudo, um ponto de referência simbólico, cuja definição se deu no campo da política e implicou o esquecimento de outros marcos, a exemplo da abdicação de D. Pedro I, a 7 de abril de 1831.

Além disso, as palavras “independência” e “separação” referenciam situações diferentes, sugerindo que o liame construído historicamente entre elas não é tão cristalino quanto a princípio pode-se pensar. “Independência” designa liberdade ou autonomia. Uma sociedade é considerada “independente” quando possui as condições da autonomia política, isto é, quando detém o poder de elaborar as leis e de decidir o perfil do Estado e dos princípios essenciais que deverão regê-la. Já a expressão “separação” indica o ato pelo qual dois corpos ou entidades se distanciam, não possuindo necessariamente conotação política.

Em 1822, a palavra “ independência” expressava a “condição do exercício da liberdade”. Naquela época, liberdade e independência eram situações bastante específicas, já que somente poderiam se concretizar no interior de governos constitucionais. Tratava-se, assim, de questão histórica e política explicitada pelo desenrolar das revoluções inglesas do século XVII e dos movimentos revolucionários que se manifestaram na Europa e na América entre os séculos XVIII e XIX, a exemplo da Revolução Francesa e das guerras de independência norte-americanas.

A partir dessas referências, várias indagações podem ser formuladas em relação à Independência do Brasil. Que circunstâncias poderiam auxiliar na compreensão da dinâmica da sociedade que se constituiu na América portuguesa, no início do século XIX? Que situações e fundamentos permitiram que essa sociedade – ou parcelas significativas dela – se considerasse capacitada para exercer a autonomia política e pleitear um lugar entre as demais nações do mundo?

A mais recente produção acadêmica e editorial brasileira dedicada ao tema tem procurado encaminhar essas e muitas outras indagações. Procura-se reconstituir, pela mediação de fontes variadas e de diferentes metodologias, as significações mais abrangentes de lutas políticas que não se resumem à sequência cronológica mais conhecida, geralmente situada entre o movimento revolucionário em Portugal, deflagrado em agosto de 1820, e a proclamação de 7 de setembro de 1822.

Predomina atualmente o reconhecimento de que a Independência foi um dos momentos históricos cruciais do prolongado processo de lutas políticas que resultou na construção do Estado nacional e da nação na primeira metade do século XIX. Prevalece a compreensão de que, entre 1820 e 1822, quer no Rio de Janeiro quer nas demais províncias, estavam em confronto grupos de interesses, defensores de propostas divergentes, e que ganhava ampla repercussão nessa época a possibilidade de declarar-se a Independência sem que houvesse a separação de Portugal. Isso porque, desde 1817, desenvolvia-se intenso debate em torno da reorganização de um Império português fundamentado em governo constitucional e representativo, obra política que deveria garantir a unidade, mas no âmbito de nova ordenação entre os Reinos do Brasil e de Portugal. Todavia, durante a institucionalização do Estado liberal, em decorrência da Revolução do Porto, evidenciaram-se profundas incompatibilidades entre os interesses dos “portugueses” de ambos os lados do Atlântico, o que provocou o reajustamento das pretensões e projetos de grupos mercantis, enraizados no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São Paulo, que se voltaram para a opção separatista tendo à frente D. Pedro.

Nesse sentido, a tradicional associação entre Independência, separação da antiga metrópole e conflitos de caráter colonial deu lugar a interrogações que procuram evidenciar as peculiaridades da configuração de um corpo político autônomo, no início do século XIX, denominado Império do Brasil.

Por Cecília Salles Oliveira – professora titular do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) e professora do Programa de Pós-Graduação em História Social da USP – no livro Dicionário de Datas da História do Brasil, publicado pela Editora Contexto.

Fonte: EditoraContexto